segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007






Obituário de Billie Holiday: O'Hara



The Day Lady Died


It is 12:20 in New York a Friday
three days after Bastille day, yes
it is 1959 and I go get a shoeshine
because I will get off the 4:19 in Easthampton
at 7:15 and then go straight to dinner
and I don't know the people who will feed me

I walk up the muggy street beginning to sun
and have a hamburger and a malted and buy
an ugly NEW WORLD WRITING to see what the poets
in Ghana are doing these days
I go on to the bank
and Miss Stillwagon (first name Linda I once heard)
doesn't even look up my balance for once in her life
and in the GOLDEN GRIFFIN I get a little Verlaine
for Patsy with drawings by Bonnard although I do
think of Hesiod, trans. Richmond Lattimore or
Brendan Behan's new play or Le Balcon or Les Nègres
of Genet, but I don't, I stick with Verlaine
after practically going to sleep with quandariness

and for Mike I just stroll into the PARK LANE
Liquor Store and ask for a bottle of Strega and
then I go back where I came from to 6th Avenue
and the tobacconist in the Ziegfeld Theatre and
casually ask for a carton of Gauloises and a carton
of Picayunes, and a NEW YORK POST with her face on it

and I am sweating a lot by now and thinking of
leaning on the john door in the 5 SPOT
while she whispered a song along the keyboard
to Mal Waldron and everyone and I stopped breathing

Frank O'Hara



O Dia em que a Dama Morreu


É 12:20 em Nova York, uma sexta
três dias depois da Queda da Bastilha, sim
é 1959 e ando atrás de um engraxate
porque vou desembarcar do 4:19 em Easthampton
às 7:15 e então vou logo jantar
e não conheço as pessoas que me darão de comer

Caminho pela rua mormacenta abrindo-se ao sol
peço um hambúguer e um maltado e compro
um horrendo NEW WORLD WRITING para ver o que
poetas em Ghana andam fazendo esses dias
vou ao banco
e a Senhora Stillwagon (primeiro nome Linda, ouvi uma vez)
sequer confere meu saldo pela primeira vez na vida
e no GOLDEN GRIFFIN consigo um Verlaine fino
para Patsy com desenhos de Bonnard, embora tenha
pensado em Hesíodo, trad. Richmond Lattimore, ou
a nova peça de Brendan Behan, ou Le Balcon ou Les Négres
de Genet, nada disso, insisto no Verlaine
depois de praticamente adormecer de dúvida

e só para Mike avanço pela loja de destilados da
PARK LANE e peço uma garrafa de Strega e
logo retorno de onde eu viera, 6ª Avenida
para a tabacaria do Teatro Ziegfeld e
casualmente peço um maço de Gauloises e um maço
de Picayunes e um NEW YORK POST com o rosto dela

e estou suando em bicas agora e pensando em
recostar-me ao pórtico do 5 SPOT
no que ela sussurrava uma canção para o pianista
Mal Waldron e eu e todo mundo parávamos de respirar





Nota: a alcunha de Billie Holiday nos Estados Unidos era Lady Day. O'Hara trocadilha com isto no título, promovendo uma inversão (The Day Lady Died, o que instala uma ambigüidade. Em inglês, o título pode ser lido como o título da tradução em português, mas também como A Dama do Dia Morreu, A Dona do Dia Morreu, A Senhora do Dia..., etc.). Note-se também a quantidade de referências à cultura estrangeira - sobretudo francesa - para, no fim, tudo convergir para este índice central da cultura americana: o jazz.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

Breve e espírito: Gregory Orr em dupla dose



Love Poem

A black biplane crashes through the window
of the luncheonette. The pilot climbs down,
removing his leather hood.
He hands me my grandmother's jade ring.
No, it is two robin's eggs and
a telephone number: yours.


Poema de Amor

Um biplano negro arrebenta a janela
da lanchonete. O piloto desce,
removendo seu capuz de couro.
Ele me entrega o anel de jade de minha avó.
Não. São dois ovos de tordo e
um número de telefone: o seu.



To be alive

To be alive: not just the carcass
but the spark.
That's crudely put, but…

If we're not supposed to dance,
why all this music?



Estar vivo

Estar vivo: não só a carcassa
mas a chispa.
Isto é dito cruelmente, mas…

Se não se espera que dancemos,
pra que toda essa música?

sábado, 24 de fevereiro de 2007

na boa vibração dos 60, poetas em Nova York


Ashbery, O'Hara, Southgate, Berkson e Koch
foto: © Mario Schifano, 1964

O coração também como filme-b: O'Hara



My Heart


I'm not going to cry all the time
nor shall I laugh all the time,
I don't prefer one "strain" to another.
I'd have the immediacy of a bad movie,
not just a sleeper, but also the big,
overproduced first-run kind. I want to be
at least as alive as the vulgar. And if
some aficionado of my mess says "That's
not like Frank!", all to the good! I
don't wear brown and grey suits all the time,
do I? No. I wear workshirts to the opera,
often. I want my feet to be bare,
I want my face to be shaven, and my heart--
you can't plan on the heart, but
the better part of it, my poetry, is open.

Frank O’hara



Meu coração


Não vou chorar o tempo todo
nem devo rir o tempo todo,
não prefiro um “cordel” ao outro.
Ficaria com o imediatismo de um mau filme,
e não só um filme-b, mas também o do tipo grande,
superproduzido, competitivo. Eu queria ser
ao menos tão vivo quanto o vulgar. E se
algum aficionado do meu troço disser “Aquilo
não parece Frank!”, tanto melhor! Eu
não uso ternos marrons e cinzas o tempo todo,
uso? Não. Uso camisas de expediente na ópera,
com freqüência. Eu quero meu pé descalço,
meu rosto barbeado, e meu coração—
não se pode planejar no coração mas
a melhor parte dele, minha poesia, aberta.




Nota: sleeper, 5º verso, é na verdade gíria (slang) e designa um filme de baixo orçamento. Um filme B.

Mãos de rabino e alfaite: Denise Levertov



Illustrious Ancestors


The Rav
of Northern White Russia declined,
in his youth, to learn the
language of birds, because
the extraneous did not interest him; nevertheless
when he grew old it was found
he understood them anyway, having
listened well, and as it is said, “prayed
with the bench and the floor.” He used
what was at hand—as did
Angel Jones of Mold, whose meditations
Were sewn into coats and britches.

Well, I would like to make,
thinking some line still taut between me and them,
poems direct as what the birds said,
hard as floor, sound as a bench,
mysterious as the silence when the tailor
would pause his needle in the air.

Denise Levertov


Ancestrais Ilustres


O Rabi
do Norte da Rússia Branca declinou,
na sua juventude, de aprender a
língua dos pássaros, porque
o estranho não lhe interessava; entretanto
quando envelheceu, descobriu-se
que os entendia mesmo assim, tendo
ouvido bem, e como se dizia, “rezado
com o banco e o chão”. Ele usava
o que estava à mão—como o fez
Angel Jones de Mold, cujas meditações
Eram cosidas a casacos e calções.

Bem, eu gostaria de fazer,
pensando numa linha ainda tesa entre mim e eles,
poemas diretos como o que os pássaros diziam,
duros como chão, sonoros como bancos,
misteriosos como o silêncio quando o alfaiate
hesita com sua agulha no ar.





Palmeira na margem do espaço: Stevens



Of mere being

The palm at the end of the mind,
Beyond the last thought, rises
In the bronze distance,

A gold-feathered bird
Sings in the palm, without human meaning,
Without human feeling, a foreign song.

You know then that it is not the reason
That makes us happy or unhappy.
The bird sings. Its feathers shine.

The palm stands on the edge of space.
The wind moves slowly in the branches.
The bird’s fire-fangled feathers dangle down.

Wallace Stevens


Do mero ser

A palmeira ao fim da mente,
Além do último pensamento, ergue-se
Na brônzea distância.

Uma ave de plumas douradas
Canta na palmeira, sem sentido humano.
Sem sentido humano, uma canção estrangeira.

Sabe-se então que não é a razão
Que nos torna felizes ou infelizes.
A ave canta. Suas plumas brilham.

A palmeira fica na margem do espaço.
O vento move de leve entre as palmas.
A plumagem fogo-fátua da ave bamboleia.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

A gravidade no riso: W. H. Auden



As I Walked Out One Evening


As I walked out one evening,
Walking down Bristol Street,
The crowds upon the pavement
Were fields of harvest wheat.


And down by the brimming river
I heard a lover sing
Under an arch of the railway:
'Love has no ending.


'I'll love you, dear, I'll love you
Till China and Africa meet,
And the river jumps over the mountain
And the salmon sing in the street,


'I'll love you till the ocean
Is folded and hung up to dry
And the seven stars go squawking
Like geese about the sky.


'The years shall run like rabbits,
For in my arms I hold
The Flower of the Ages,
And the first love of the world.'


But all the clocks in the city
Began to whirr and chime:
'O let not Time deceive you,
You cannot conquer Time.


'In the burrows of the Nightmare
Where Justice naked is,
Time watches from the shadow
And coughs when you would kiss.


'In headaches and in worry
Vaguely life leaks away,
And Time will have his fancy
To-morrow or to-day.


'Into many a green valley
Drifts the appalling snow;
Time breaks the threaded dances
And the diver's brilliant bow.


'O plunge your hands in water,
Plunge them in up to the wrist;
Stare, stare in the basin
And wonder what you've missed.


'The glacier knocks in the cupboard,
The desert sighs in the bed,
And the crack in the tea-cup opens
A lane to the land of the dead.


'Where the beggars raffle the banknotes
And the Giant is enchanting to Jack,
And the Lily-white Boy is a Roarer,
And Jill goes down on her back.


'O look, look in the mirror,
O look in your distress:
Life remains a blessing
Although you cannot bless.


'O stand, stand at the window
As the tears scald and start;
You shall love your crooked neighbour
With your crooked heart.'


It was late, late in the evening,
The lovers they were gone;
The clocks had ceased their chiming,
And the deep river ran on.




Durante Meu Passeio de Noite


Durante meu passeio de noite,
Ao longo da Rua Bristol,
As multidões na calçada
Eram campos de trigo colhido.

E ao longo do rio repleno
Ouvi um amante cantar
Sob o arco da ferrovia:
‘O amor é um nunca acabar.

‘Te amarei, meu bem, te amarei
Até a China a África encontrar,
E o rio saltar sobre a serra,
E o salmão cantar no bulevar.

‘Te amarei até o oceano
Ser dobrado e posto a secar
E como gansos no céu
O setestrelo grasnar.

‘Anos correrão como lebres,
Pois em meus braços terei
A Flor das Flores das Eras
E do mundo, o amor primeiro.’

Mas todos os relógios da cidade
Romperam a tinir e tocar:
‘Não deixes que o Tempo te engane
não podes do Tempo ganhar.

'Nas furnas do Pesadelo
Onde a justiça está nua
O Tempo espreita na sombra
E tosse quando osculas.

‘Por enxaqueca e receio
Vagamente a vida vai
E o Tempo terá recreio
Amanhã ou mais atrás.

‘Entre tantos, um verde vale
Junta a neve apavorante;
O Tempo quebra rendadas danças
E do mergulhador o arcobotante.

‘Ah, põe tua mão n’água,
Até o pulso afunda-a;
E fita, fita a bacia
Pensando tua mágoa funda.

‘A geleira bate no armário,
O deserto boceja no leito
E o resvalo das xícaras abre
Um beco para o inferno.

‘Onde os mendigos rifam notas
E o gigante é encanto pr’o João,
O Menino-Lírio é Rugidos
E Maria escorrega em botão.

'Ah, olha, olha no espelho
Ah, olha na tua aflição
A vida prossegue uma benção
Mas abençoar, podes não.

'Ah, fica, fica à janela
E as lágrimas se escaldam e vão,
Amarás teu torto próximo
Com teu torto coração.’

Era tarde, tarde da noite,
Os amantes, eles partiram;
Os relógios cessaram seus toques
E o profundo rio seguia.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

A graça compósita do reles: Williams



Sparrows among dry leaves


The sparrows
by the iron fence post—
hardly seen

for the dry leaves
that half
cover them—

stirring up
the leaves, fight
and chirp

stridently,
search
and

peck the sharp
gravel to
good digestion

and love’s
obscure an insatiable
appetite.



William Carlos Williams



Pardais entre folhas secas


Os pardais
rente ao pilar da cerca de ferro—
a custo visíveis

entre as folhas secas
que a meio
os cobrem—

revolvendo
as folhas, brigam
e trinam

estridentes,
buscam
e

picam os afiados
seixos para
boa digestão

e o obscuro, insaciável
apetite
do amor




a porção de luz que um quadrado de vidraça quebrado altera: Jan Veermer


A visão do pintor pulsa para afagar a luz: Robert Lowell



Epilogue


Those blessèd structures, plot and rhyme--
why are they no help to me now
I want to make
something imagined, not recalled?
I hear the noise of my own voice:
The painter's vision is not a lens,
it trembles to caress the light
.
But sometimes everything I write
with the threadbare art of my eye
seems a snapshot,
lurid, rapid, garish, grouped,
heightened from life,
yet paralyzed by fact.
All's misalliance.
Yet why not say what happened?
Pray for the grace of accuracy
Vermeer gave to the sun's illumination
stealing like the tide across a map
to his girl solid with yearning.
We are poor passing facts,
warned by that to give
each figure in the photograph
his living name.


Robert Lowell



Epílogo

Essas abençoadas estruturas, trama e rima –
por que não tem valia para mim agora
que quero fazer
algo imaginado, não revivido?
Ouço o ruído de minha voz mesma:
A visão do pintor não é uma lente,
ela pulsa para afagar a luz
.
Mas às vezes tudo que escrevo
com a puída arte de meu olho
parece um instantâneo,
lúrido, rápido, berrante, grupado,
soerguido de vida,
mas paralisado pelo fato.
Tudo desnível.
E por que não dizem o que se passou?
Rogar pela graça da precisão que
Veermer imprimiu à luz solar
furtando-a como a maré sobre um mapa
para sua jovem sólida de saudade.
Somos pobres fatos passageiros,
advertidos por aquilo de dar
a cada vulto na fotografia
seu vivo nome.




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

De Creeley para Bresson, um encômio


Bresson's Movies

A movie of Robert

Bresson showed a yacht,
at evening on the Seine,
all its lights on, watched

by two young, seemingly

poor people, on a bridge adjacent,
the classic boy and gir
lof the story, any one

one cares to tell. So
years pass, of course, but
I identified with the young,
embittered Frenchman,

knew his almost complacent
anguish and the distancehe
felt from his girl.
Yet another film

of Bresson's has the
aging Lancelot with his
awkward armor standing
in a woods, of small trees,

dazed, bleeding, both he
and his horse are,
trying to get back to
the castle, itself of

no great size. It
moved me, that
life was after all
like that. You are

in love. You stand
in the woods, with
a horse, bleeding.
The story is true.

Robert Creeley



Filmes de Bresson


Um filme de Robert
Bresson mostrava um iate,
à noite no Sena,
luzes acesas, observado

por dois jovens, aparentemente
pobres, numa ponte adjacente,
os clássicos herói e heroína
da história, a que

todos querem contar. E
anos passaram, claro, mas
identifiquei-me com o jovem
francês amargurado,

sabia de sua angústia quase
complacente e da distância
que sentia de sua garota.
Mas um outro filme

de Bresson traz o
Lancelote maduro com sua
esdrúxula armadura abrigando-se
num bosque, de pequenas árvores,

confuso, sangrando, ambos,
ele e o cavalo
e tentando
retornar ao castelo, em si

não muito grande. Me
tocou que a
vida seja enfim
desse jeito. Você está

apaixonado. E abriga-
se no bosque, sangrando
com seu cavalo.
A história é real.




terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

O poder de bem repetir - Gertrud Stein, um Caymmi no modernismo americano



A Valentine to Sherwood Anderson

Very fine is my valentine.

Very fine and very mine.
Very mine is my valentine very mine and very fine.
Very fine is my valentine and mine,
very fine very mine and mine is my valentine.

Gertrud Stein


Uma Namorada para Sherwood Anderson

Muito fina é minha mina.
Muito fina e muito minha.
Muito minha é minha mina muito minha e muito fina.
Muito fina é minha mina e minha,
muito fina muito minha e minha é minha mina.



Nota – o título original do poema é o que foi mantido. Ele, depois, também passou a ser conhecido como “A very Valentine” [“Uma muito Namorada”] .

Um mar longe move no meu ouvido - ou a beleza no desespero: Sylvia Plath



Morning Song


Love set you going like a fat gold watch.
The midwife slapped your footsoles, and your bald cry
Took its place among the elements.

Our voices echo, magnifying your arrival. New statue.
In a drafty museum, your nakedness
Shadows our safety. We stand round blankly as walls.

I'm no more your mother
Than the cloud that distills a mirror to reflect its own slow
Effacement at the wind's hand.

All night your moth-breath
Flickers among the flat pink roses. I wake to listen:
A far sea moves in my ear.

One cry, and I stumble from bed, cow-heavy and floral
In my Victorian nightgown.
Your mouth opens clean as a cat's. The window square

Whitens and swallows its dull stars. And now you try
Your handful of notes;
The clear vowels rise like balloons.


Silvia Plath



Canção da Manhã


O amor te deu corda feito um gordo relógio dourado.
A parteira estapeou a sola de teus pés e teu choro calvo
Teve seu lugar entre os elementos.

Nossas vozes ecoam, magnificando tua chegada. Nova estátua.
Num projetado museu, tua nudez
Encobre nossa segurança. Estamos em torno vazios como paredes.

Não sou mais tua mãe
Que a nuvem que destila um espelho para refletir a própria lenta
Obliteração nas mãos do vento.

Noite toda teu fôlego-de-traça
Adeja entre o plano das rosas rubras. Acordo para escutar:
Um mar longe move no meu ouvido.

Um choro, e soergo-me da cama, vaca-pesada e floral
Em minha camisola vitoriana.
Tua boca abre-se limpa como a de um gato. O quadrado da janela

Murcha e incha as baças estrelas. E agora tentas
Tua mancheia de notas;
As claras vogais erguendo-se como balões.

Ut pictura poesis - o depoimento de O'Hara



Why I am not a Painter


I am not a painter, I am a poet.
Why? I think I would rather be
a painter, but I am not. Well,

for instance, Mike Goldberg

is starting a painting. I drop in.
"Sit down and have a drink" be
says. I drink; we drink. I look
up. "You have SARDINES in it."
"Yes, it needed something there."

"Oh." I go and the days go by

and I drop in again. The painting
is going on, and I go, and the days
go by. I drop in. The painting is
finished. "Where's SARDINES?"
All that's left is just
letters, "It was too much," Mike says.

But me? One day I am thinking of

a color: orange. I write a line
about orange. Pretty soon it is a
whole page of words, not lines.
Then another page. There should be
so much more, not of orange, of words, of
how terrible orange is
and life. Days go by. It is even in
prose, I am a real poet. My poem
is finished and I haven't mentioned
orange yet. It's twelve poems, I call
it ORANCES. And one day in a gallery
I see Mike's painting, called SARDINES.

Frank O'Hara


Porque não sou pintor


Não sou pintor, sou poeta.
Por quê? Acho que seria melhor
pintor. Mas não sou. Bem,

por exemplo, Mike Goldberg
começando uma tela. Entrei.
“Sente-se, beba algo”, dis-
se. Bebi. Bebemos. Passei
o olho. “Você pôs SARDINHAS”.
“É, precisava preencher ali”.

“Ah”. Saí e os dias saíram
e entrei de novo. A tela
seguia, eu seguia, os dias
seguiam. Entrei. O quadro
estava pronto. “E as SARDINHAS?”
Tudo que restou foram só
letras, “Estavam sobrando”, disse Mike.

Mas eu? Um dia tava pensando
Numa cor: laranja. Logo, logo havia
toda uma página de palavras, não linhas.
E logo outra página. Deveria haver inda
muito mais, não de laranjas, de
palavras, de o quanto terríveis são laranja
e vida. Seguem os dias. Era chato em
prosa, sou mesmo poeta. Meu poema
está pronto e inda nem mencionei
laranja. São doze poemas. Chamei-
os ORANCES. E um dia, numa galeria
vejo o quadro de Mike, chamado SARDINHAS.



Sereia e garçonete, a mulher mal-amada de Louise Gluck

Siren

I became a criminal when I fell in love.

Before that I was a waitress.

I didn't want to go to Chicago with you.
I wanted to marry you, I wanted
Your wife to suffer.

I wanted her life to be like a play
In which all the parts are sad parts.
Does a good person
Think this way? I deserve

Credit for my courage--
I sat in the dark on your front porch.
Everything was clear to me:
If your wife wouldn't let you go
That proved she didn't love you.
If she loved youWouldn't she want you to be happy?

I think now
If I felt less I would be
A better person. I was
A good waitress.
I could carry eight drinks.

I used to tell you my dreams.
Last night I saw a woman sitting in a dark bus--
In the dream, she's weeping, the bus she's on
Is moving away. With one hand
She's waving; the other strokes
An egg carton full of babies.

The dream doesn't rescue the maiden.


Louise Gluck




Sereia


Tornei-me uma criminosa quando me apaixonei.
Antes disso eu era garçonete.

Não queria ir com você para Chicago.
Queria me casar. Queria
Fazer tua mulher sofrer.

Queria que a vida dela se tornasse uma peça
Em que todos os atos fossem tristes.

Uma pessoa do bem
Pensa assim? Mereço

Crédito pela coragem –

Sentei-me no escuro diante de tua porta.
Tudo era claro para mim:
Se tua mulher não te deixasse ir
Era a prova de que ela não te amava.
Se te amava, não desejaria te ver feliz?

Agora creio
Que se sentisse menos
Seria melhor gente. Eu era
Boa garçonete.
Podia com oito drinques.

Costumava a te contar meus sonhos.
Ontem à noite vi uma mulher sentada num ônibus escuro --
No sonho, ela chorava, e o ônibus
Afastava-se. Com uma das mãos,
Ela acenava; a outra golpeava
Um ovo de papelão repleto de bebês.

O sonho não resgatou a donzela.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Curtas e Finas


Para curtir na cristaleira
A série de plaquetas publicadas pelo Centro Cultural Dragão do Mar foi uma das boas novidades editoriais do ano de 2006. À frente da iniciativa: Carlos Augusto Lima e Eduardo Jorge Oliveira. Com boa tiragem, arrojada concepção gráfica e algumas surpresas, a série consorcia, a cada vez, um escritor e um artista visual. Tipo da iniciativa que abre à pluralidade o patrocínio do agente cultural público, contemplando, assim, tendências diversas - e, mesmo antagônicas ou suplementares - tanto na literatura quanto nas artes visuais. Só pode haver verdade no múltiplo, composto, miscigenado. E isso não implica dispersão.

Três gigs, quatro talentos, um ex-grupo e a música em Guaramiranga faiscando em fevereiro

Condição Fevereira
Fevereiro: dispersão. O ano, de fato, ainda não começou. Em Fortaleza, no entanto, a exemplo de janeiro: um mês para emigrados em férias. Ou de retorno. Para reencontrar amigos. E, além do calor, de certa dispersão-ambiente, da expectativa pré-carnaval - e pré-festival de jazz -, da chuva lavando dias lapidados a sol e quartzo, o fevereiro deste 2007 reservou umas poucas de especiarias.
Inconsútil presença
Show de Kátia Freitas no Centro Cultural BNB há duas semanas. Guardou charme intimista. Também um progressivo desabrochar para a musicalidade de Fortaleza. La Freitas abriu com releitura de bela canção de domínio público (“Capineiro de meu Pai”). Passeou pela esplêndida e passional “Mãe”, de Caetano Veloso. E progressivamente seguiu migrando para as seguras baladas que compôs para Próximo, seu segundo e mais recente cd. E, como fecho, algumas inéditas, incluindo compositores como Alano de Freitas e Serrão. No palco, só voz - e inconsútil presença de cena - de Kátia; e Cristiano Pinho como coadjuvante de luxo -revezando-se entre guitarras, violões e voz de fundo. Na platéia, muitos de pé. E, entre outros, Ary Sherlock, Fausto Nilo, Domingos Fazio Caetano. Isso na sessão da noite, pois o duo também se apresentou ao meio- dia. Dia seguinte, também no auditório-de-bolso do CCBN foi a vez de Cristiano assumir o protagonismo, apoiado por banda, para ratificar sua condição de guitar hero.
Outra voz, outras seis
Outra dupla bastante seis cordas e voz está por cá: Paula Tesser e Valdo Aderaldo. Ao que parece de mala e cuia. Semana passada, empenharam, generosamente, seus talentos na Vila das Artes, durante a ocupação promovida pelos alunos da Escola de Audiovisual da Funcet. O nome do espetáculo, à Aderaldo, foi “Porque a causa é justa!" – onde, naturalmente, há trocadilho quase infame. Bossas-novas clássicas de Tom e Edu, e baladas de Valdo na voz comedida e bem lançada de Paulinha vão sempre bem com essas noites mornas de fevereiro ou de qualquer outro mês. Há algo de Nara Leão no estilo de Paula, que, de outro modo, é muito próprio. E talvez não seja acaso que a filha de ambos se chame Nara. A única ressalva é o de eles não explorarem mais as composições de Aderaldo à época do legendário Grupo Budega – do qual, por sinal, Crisitiano Pinho era o guitarrista.
Uma última valsa
Para memória dos mais recentes, em show antológico no Parque do Cocó, ao final dos 80, o Budega destilou toda sua vocação roqueira entreatuada por baladas de bem medidas letras. A multidão que acorreu ao parque àquele fim de tarde, voltou para casa mesmerizada. Faz falta muita que não haja registro fonográfico do grupo. Ou de performances como a daquela tarde. Ao final de 2006, correram rumores: o vocalista Rossé Sabadia gravaria um cd solo. Mas de concreto, apenas especulação. Seria suntuoso pôr em cd a verve do grupo reunido em sua primitiva formação: Rossé, Cristiano, Edmundo e Valdo. Qual seria o impedimento?
Quem tem ouvidos vai a Guará
Idealizado por Raquel Gadelha e Maru Mamede, o Festival de Jazz de Guaramiranga já pode declinar o poema mais conhecido de Casimiro de Abreu: "Meus oito anos". O evento estabeleceu-se como opção muito digna para o sufoco de praias apinhadas em Aracati ou Camocim. Ou para a selvageria sem limite que virou o, antes pacífico, mela-mela. E, melhor a cada ano, ao subir a serra, o festival conjuga boa música e um cartão-postal de clima mais ameno. E para os que estranham não se usar o nome oficial - Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga - nesta nota, pode-se subsumir o blues no jazz. Ou seja, todo festival de jazz é implicitamente um festival de blues. Nesta oitava edição, o destaque vai, sem dúvida, para Egberto Gismonti, o maestro do Carmo.

Cinco modelos de legenda à Folha de São Paulo



garoto japonês move pedra preta com mão esquerda durante o jogo do gô em distrito residencial da cidade de yokohama

executiva indiana faz download de software enquanto lancha um sanduíche de pasta ao curry no centro financeiro de bombaim

agricultor nordestino coça a cabeça durante caminhada até goiana, região metropolitana do recife, após incêndio em usina

gota de suor pinga em macadame do sec. xix no bairro parisiense de montmartre durante o tour de france

grupo de chineses revezam-se para fotos diante do quadro o grito, do pintor expressionista norueguês edvard munch, na ala sul da galeria nacional de oslo

pertinho do céu tem poluentes visuais


domingo, 18 de fevereiro de 2007

Em chamas compondo sombras: Francis Ponge


La Bougie

La nuit parfois ravive une plante singulière dont la lueur décompose les chambres meublées en massifs d'ombre. Sa feuille d'or tient impassible au creux d'une colonnette d'albâtre par un pédoncule très noir. Les papillons miteux l'assaillent de préférence à la lune trop haute, qui vaporise les bois. Mais brûlés aussitôt ou vannés dans la bagarre, tous frémissent aux bords d'une frénésie voisine de la stupeur. Cependant la bougie, par le vacillement des clartés sur le livre au brusque dégagement des fumées originales encourage le lecteur, - puis s'incline sur son assiette et se noie dans son aliment.

Francis Ponge


A Vela

A noite por vezes reaviva uma planta singular cujo clarão decompõe a peça mobiliada em massiva sombra. Sua folha de ouro domina impassível à croa de uma colunata de alabastro desde um pendúnculo bem negro. As vespas desgraçadas a atacam de preferência à lua mais alta, que vaporiza o bosque. Mas se queimam logo coando-se do tumulto, todas frêmito à margem de um frenesi rente ao estupor. Entretanto a vela, pelo vacilar da réstia sobre o livro no brusco desfio do defumo original encoraja o leitor, - depois reclina sobre seu prato e afoga-se em seu alimento.

estudo para um passo volátil


sábado, 17 de fevereiro de 2007

melhores instalações criam tempo, anonimato


Lapidâncias



O problema com os shoppings é justo o de não ter um Centro.

Quem disse que cachaça não é água descobriu a pólvora? Nem tanto. Cachaça é água, sim. Ardente.

A tradução de um romance de seiscentas páginas pretende menos que um verso.


Tanto mais se consome, mais há amostras grátis. Tanto menos, mais se passa fome.


Programa paulista: como está o tempo? onde flui o trânsito? qual a qualidade dos serviços?

Se um argumento é um ponto no espaço, por dois argumentos passa uma reta.

Jornalismo de serviços, outro nome para guia de consumo. Tanto mais fascista quanto mais estende-se ao comportamento: "como conversar com seus filhos"; "como se divertir em Fortaleza durante o carnaval". A Vida modo de usar, já ironizava George Perec.

Para quem já viu céticos como Francis, ter que se contentar com Mainardis.

o tamanho do mundo grita no olho do peixe


A mágoa como cachorro: Denise Levertov




Talking to Grief

Ah, Grief, I should not treat you

like a homeless dog
who comes to the back door
for a crust, for a meatless bone.
I should trust you.

I should coax you
into the house and give you
your own corner,
a worn mat to lie on,
your own water dish.

You think I don't know you've been living
under my porch.
You long for your real place to be readied
before winter comes. You need
your name,
your collar and tag. You need
the right to warn off intruders,
to consider
my house your own
and me your person
and yourself
my own dog.


Denise Levertov


Falando à Mágoa


Ah, Mágoa, não te devo tratar
como um cão sem dono
que vem à porta dos fundos
pruma migalha, prum osso descarnado.
Tenho que te dar crédito.

Devo adular tua entrada
em casa e te oferecer
teu próprio canto,
um capacho gasto pra jazer,
teu depósito de água.

Tu pensas que não sei que tens vivido
sob minha soleira.
Tanto esperaste por teu lugar refeito

antes do inverno chegar. Precisas
do teu nome,
coleira, crachá. Precisas do direito
de advertir intrusos,
de considerar
tua a minha casa
e a mim tua dona
e tu minha

cachorra.



sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

travessia para leste por um rio que não é o Lete


foto: alexandre veras

sobrevôo negro sobre amarelo e foz


Um Carnaval Solipsista - Robert Creeley




The Carnival


Whereas the man who
hits the gong dis-
proves it, in all its
simplicity -

Even so the attempt
makes for triumph, in
another man.

Likewise in love I
am not foolish or in
-competent.

My method is not a
tenderness, but hope
defined.

Robert Creeley




O Carnaval


Visto que o homem que
bate o gongo o desau-
toriza, em toda sua
simplicidade –

Mesmo assim o esforço
causa triunfo, n’
outro homem.

Semelhante, no amor
não sou bobo ou in-
competente.


Meu método não é uma
ternura, mas esperança
definida.







quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

andando sobre a face das águas


Quatro dias de cidade

Nota de carnaval só para fortalezenses
...
Carnaval. Independente de gostar, agrada pensar: milhões estão de férias. Centenas - talvez, milhares - são felizes. Diante de previsíveis microfones, repassam cosmética satisfação pelas praias do Brasil. Jornalismo? Não se pode chamar o que a imprensa faz no carnaval assim. Ninguém são pode ser previsível neste país. Aqui, previsibilidade rima com exceção. Ser feliz no carnaval: infeliz resto do ano? Ano comprimido, começado na Quaresma. Farto de si. Nasce, já pede sal-de-frutas. Fortaleza fica habitável durante folias. Hiato entre capitais do Nordeste, à reboque da colônia interiorana. Foliões seguem para veraneio de praias apinhadas. Refratários - mas a fim de novos ares - sobem a Serra de Guaramiranga prum festival de jazz, reservas antecipadas - opção que se consolidou, último lustro. Aliás, legado bom do carnaval: marchinhas; sambas-enredos, levados com pachorra, síncopes, da era pré-desfile televisivo. Coretos. Possuem força evocatica. Tingem período momino com listas gris de nostalgia. Trilha eloqüente do que ter sido poderia. Tempo lento de rios passando por vidas. Ou então, frevos carbonários. Tentativas de se criar carnaval para Fortaleza: parte impertinentes, parte fantasiosas. Havia blocos-de-sujo. Corso. Manifestações ilhadas. Inconfluentes. Nada comparável à febre metálica do frevo. À síncope convidativa das marchinhas. Cearenses são anti-coletivos. Recentes demais para ir além dos sujos, salões de clubes, cordões, batalhas de confete, lança-perfumes, papangus. Espontaneísmo entre vizinhos. Brincadeira de bairro. Qualquer necessidade de infraestrutura pública. Carnavais d'antanho, outros carnavais deixam rasa saudade no fortalezense. Saudade de si mais que do evento. Ninguém se perdeu na folia, por aqui, feito pernambucanos. Muitos saem de si. Mas não entram no carnaval. O pulso em retardo do marcatu cearense nos legou triângulo fornido sopesando quilos de tristeza n'alma. Em plena folia. Rostos repintados de preto. Senso de gravidade que, para uma criança, pode roçar horror. Quem lucra com o desfile oficial, na Av. Domingos Olympio? A cidade não rima com carnaval. Escrito. Está em romances, crônicas. A maioria fica em casa. Toma banho de chuva. Desfruta de uma Fortaleza como não se vê há anos. Tudo é carnaval? Beleza! Tudo em volta é só beleza. Cinemas sem filas. Praias quase desertas. Ônibus praticáveis. Calçadas para palmilhar em segurança. Trânsito fluindo. Dias de folia? Temos cidade! Cidadania de quatro dias ao ano. Que assim seja.