quarta-feira, 11 de abril de 2007

O que virou a vida depois da tv: Ashbery


Lee Friedlander, 1966




My Philosophy of Life

Just when I thought there wasn't room enough
for another thought in my head, I had this great idea--
call it a philosophy of life, if you will. Briefly,
it involved living the way philosophers live,
according to a set of principles. Ok, but which ones?

That was the hardest part, I admit, but I had a
kind of dark foreknowledge of what it would be like.
Everything, from eating watermelon or going to the bathroom
or just standing on a subway platform, lost in thought
for a few minutes, or worrying about rain forests,
would be affected, or more precisely, inflected
by my new attitude. I wouldn't be preachy,
or worry about children and old people, except
in the general way prescribed by our clockwork universe.
Instead I'd sort of let things be what they are
while injecting them with the serum of the new moral climate
I thought I'd stumbled into, as a stranger
accidentally presses against a panel and a bookcase slides back,
revealing a winding staircase with greenish light
somewhere down below, and he automatically steps inside
and the bookcase slides shut, as is customary on such occasions.
At once a fragrance overwhelms him--not saffron, not lavender,
but something in between. He thinks of cushions, like the one
his uncle's Boston bull terrier used to lie on watching him
quizzically, pointed ear-tips folded over. And then the great rush
is on. Not a single idea emerges from it. It's enough
to disgust you with thought. But then you remember something
>William James
wrote in some book of his you never read--it was fine, it had the
>fineness,
the powder of life dusted over it, by chance, of course, yet
>still looking
for evidence of fingerprints. Someone had handled it
even before he formulated it, though the thought was his and
>his alone.

It's fine, in summer, to visit the seashore.
There are lots of little trips to be made.
A grove of fledgling aspens welcomes the traveler. Nearby
are the public toilets where weary pilgrims have carved
their names and addresses, and perhaps messages as well,
messages to the world, as they sat
and thought about what they'd do after using the toilet
and washing their hands at the sink, prior to stepping out
into the open again. Had they been coaxed in by principles,
and were their words philosophy, of however crude a sort?
I confess I can move no farther along this train of thought--
something's blocking it. Something I'm
not big enough to see over. Or maybe I'm frankly scared.
What was the matter with how I acted before?
But maybe I can come up with a compromise--I'll let
things be what they are, sort of. In the autumn I'll put up jellies
and preserves, against the winter cold and futility,
and that will be a human thing, and intelligent as well.
I won't be embarrassed by my friends' dumb remarks,
or even my own, though admittedly that's the hardest part,
as when you are in a crowded theater and something you say
riles the spectator in front of you, who doesn't even like the idea
of two people near him talking together. Well he's
got to be flushed out so the hunters can have a crack at him--
this thing works both ways, you know. You can't always
be worrying about others and keeping track of yourself
at the same time. That would be abusive, and about as much fun
as attending the wedding of two people you don't know.
Still, there's a lot of fun to be had in the gaps between ideas.
That's what they're made for! Now I want you to go out there
and enjoy yourself, and yes, enjoy your philosophy of life, too.
They don't come along every day. Look out! There's a big one...

John Ashbery


Minha Filosofia de Vida

Assim que pensei que não tinha mais espaço
para um outro pensamento na cabeça, tive essa grande idéia—
chame de filosofia de vida, se quiser. Em tempo,
consiste em levar uma vida como a dos filósofos,
de acordo com uma série de princípios. Ok, mas quais?

Essa é a parte mais dura, certo, mas eu tinha uma
espécie de nebuloso pressentimento do que ela seria.
Tudo, desde comer melancia ou ir ao banheiro
ou apenas ficar numa estação do metrô, no mundo da lua
por uns minutos, ou preocupar-se com as florestas tropicais
seria afetado, ou, mais precisamente, modificado
por minha nova atitude. Eu não seria rezingueiro
ou preocupado com as crianças e os velhos, exceto
da forma mais geral prescrita por nosso universo mecânico.
Em vez disso eu meio que deixaria as coisas serem como são
enquanto nelas injetasse o soro da nova atmosfera moral,
que eu achava que havia encontrado, como quando um estranho
pressiona acidentalmente um painel e uma estante abre-se
revelando uma escada em espiral com luzes esverdeadas
lá por baixo, e ele automaticamente entra no recinto
e a estante fecha-se, como é de uso nessas ocasiões.
E, de repente, um perfume o domina—nem açafrão, nem lavanda
mas algo a meio termo. Ele pensa em almofadas, como a que
o bull-terrier de seu tio em Boston costumava deitar-se olhando-o
zombeteiro, as pontas das orelhas dobradas. Então dá-se a grande
virada. Nem uma única idéia emerge. É o suficiente
para lhe indispor com o pensamento. Mas então, você lembra algo >que
>William James
escreveu em um de seus livros que você nunca leu—e era fino, >possuía a
finura do pó da vida espargido por sobre, por acaso, é claro, mas
ainda à busca da evidência de impressões digitais. Alguém >manipulara-o
antes de ele havê-lo formulado, embora o pensamento fosse dele
e só dele.

É bom no verão ir pro litoral.
Há uma série de viagens curtas a fazer.
Um bosque de emplumadas faias recebe o viajante. Perto
há os toaletes públicos onde peregrinos exaustos gravaram
seus nomes e endereços e, quem sabe, recados também,
recados para o mundo, enquanto sentavam
e pensavam no que fariam depois de usar o toalete
e lavar as mãos à pia, antes de cair
no mundo de novo. Será que eles foram persuadidos por princípios
e suas palavras eram filosofia, de um tipo assim mais grosseiro?
Eu confesso que não consigo seguir mais longe nessa linha de >pensamento—
algo bloqueia. Algo que não sou
grande o bastante para sobrepor a vista. Ou talvez me encontre >assustado.
Qual era mesmo a questão de como eu agia antes?
Mas talvez eu possa firmar um pacto—vou
deixar as coisas serem como são, lá sei. No outono vou guardar >geléias
e compotas, contra o frio e a futilidade do inverno,
e isso será algo humano, e inteligente também.
Não ficarei envergonhado pelos comentários estúpidos dos amigos,
ou mesmo meus, embora essa seja a pior parte
como quando se está num cinema lotado e algo que se diz
irrita o espectador à sua frente, que sequer gosta da idéia
de duas pessoas conversando perto dele. Ora, ele
deve ser evacuado, de modo que os cães de caça possam arrancar->lhe um pedaço—
essas coisas têm mão-dupla, sabe. Você não pode
cuidar sempre dos outros e achar seu paradeiro
ao mesmo tempo. Isso seria um abuso, e ao menos tão engraçado >quanto
ir ao casamento de duas pessoas que você não conhece.
É, há um mundo de graça que se tem entre o vão de duas idéias.
É para o que elas servem! Agora eu quero que você saia
e tire uma folga, e, claro, curta a sua filosofia de vida, também.
Não é fácil conciliar ambas todo dia. Olha só! Essa é boa...








Nota – este poema é ramatada farsa. Bastante coloquial. Semelha um daqueles longos monólogos nonsenses de Woody Allen em seus melhores momentos. [E, não custa lembrar, que, a exemplo de Allen, Ashbery é de Nova York e também judeu.] É, em parte, uma diatribe contra a sabedoria do senso-comum. Ou, ao menos, a do homem mediano vivendo numa metrópole, muito exposto à mídia, à tv, etc. Ou ainda aproxima-se do discurso que um paciente faria para um analista. Ou, imaginando uma situação mais tétrica, o contrário. Bem podíamos ver parte dessa formulação, por exemplo, na boca de um personagem de reality show. Não, não. Pensando bem, mesmo esse corolário de asneiras engatadas seria demais para um participante de Big Brother. A ervilha germina. Certos cérebros vegetam. [E, como de uso, pelas limitações do editor de texto, o símbolo ">" indica a continuidade do verso.]

2 comentários:

  1. Acabei de ler o poema de Asbery que você postou. Me diverti bastante. E é mesmo algo Woody Allen - o tom farsesco, a ironia de dizer coisas estúpidas de modo sensato. Mas nos filmes de Uncle Wood em geral essa ironia é apontada para os intelectuais - como naquela clássica cena em Annie Hall: um sujeito na fila do cinema não pára de dizer asneiras, e o personagem de Woody chama o próprio teórico para desmenti-lo.
    Já o Ashbery está transferindo essa impaciência para o sujeito de mentalidade middle-class, que, de tanta tv e Big Brother nutre uma antipatia exausta por intelectualismo. E o poema funciona enfim como um teste, porque é tão bem escrito, de um teor tão descritivo, vivo e engraçado, que você até se sensibiliza com a filosofia de vida do eu lírico e meio que entrevê ilusoriamente alguma sabedoria nesse monte de amenidades.

    Abraço,

    Odorico Leal

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  2. caro odorico

    seu comentário está perfeito. e é muito perspicaz. mas, gostaria de esclarecer alguns pontos. talvez pesar conceitos. 'senso-comum', p.ex. não era uma palavra pesada para mim. ao menos até constatar seu peso para meu orientador de mestrado, q. era um professor alemão. e q. recordava o 'senso-comum' de seus compatriotas, uma geração antes dele, conduzir hitler ao poder. de resto, ñ entendo q. ashbery exclusivise a questão em torno de não-intelectuais. até digo q. a fala final poderia ter sido de um analista. os analistas q. conheço, em geral tem fumos intelectuais, publicam livros, etc. então, pense em como os habitantes de buenos-aires são bons leitores - pois q. há tantas livrarias deliciosas para se frequentar naquela cidade. pra não mencionar a delícia q. são os cafés -- verdadeiros 'points' de leitura. no entanto, é a cidade com mais psiquiatras do mundo. quer dizer, o grau de cultura formal acumulada nada tem a ver com sanidade mental. às vezes, para utilizar uma expressão de uma amiga: "muito antes pelo contrário".

    abs.

    ruy

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