quarta-feira, 9 de abril de 2008

Quando a paisagem, como prece, tem algo de alga e flutua entre os sentidos: engancha, vai embora


Chico Albuquerque, c. 1945



De uma ida à Taíba


Este final de semana passei na Taíba.
Fui sozinho.
Toquei bastante violão. Cozinhei. Preparei mariscos ao molho de limão e alho, macarrão, arroz com pimentão, camarões. Caminhei pelas dunas e na várzea do Rio Siupé. Tomei vinho branco e fumei muitos cigarros. De noite, desliguei todas as luzes da casa e vi o rastro transparente da Via-Láctea. Vi e ouvi aves diversas: garças, sabiás-brancas, bem-te-vis, gaviões do mangue, lavandeiras. O rio, que eu vira nédio e fluente por volta da Páscoa, mal arrastava-se emagrecido até o mar. Mas é bom caminhar pelas várzeas ainda limosas e macias, com vestígio de água muita, em meses passados, e a grama que espeta a palma dos pés e faz a festa dos jumentos da região. Grandes bancos de areia, em certos trechos, quase relegam o curso do rio a um risco de lápis. Em geral, tudo estava mais sem água e graça que na Páscoa. A vegetação densa da margem oposta, agora, ressequida, antecipada por aquelas rochas de contornos denteados e cores pálidas, orgânicas, de região de rio salobre, de cenário de filme sci-fiction. A vegetação sobre as dunas também estava mirrada ou morta. Minada pela luz em chapa desse sol de novembro. Guardo um apreço especial por essa região de foz de rio – que conheci exuberante, limpa por água de chuva, bela como uma pré-manhã durante um abril chuvoso.
Fui uma só vez ao povoado. Conheço pouca gente lá. Mais pela assiduidade escassa e pela timidez que por desinteresse. Havia gente na casa de Gentil Barreira. Mas não creio que fossem Patrícia e ele. Se fossem, eu teria parado para um olá. Segui pedalando. A casa deles é próxima à Igreja. Uma igreja festiva, bem popular e católica. Há também uma frágil capela pras bandas lá de casa. Recém-construída. Tão pequena e desamparada. Ainda nem terminaram de caiar-lhe as paredes. E talvez as corujas não tenham sequer dado com o pequeno campanário.
Gosto de ambas. Me servem uma idéia de fragilidade forte. E se contrastam. A do povoado, tão enfeitada, parece um bolo-de-noiva, uma alegoria de escola de samba, um adereço de reisado. Mas mantendo sua dignidade. Pequena e ameaçada como um folguedo popular. Foi construída de costas para o mar, mirando a rua longa que se estende da Enseada até a praça. E possui muitos frisos repintados num azul-ultramar e num amarelo ardente, abaixo das duas torres. Como se suas cores retiradas de uma tela de Veermer. O povoado estava deserto. Havia muito pouca gente de Fortaleza. E os próprios taibanos optaram pela reclusão. Era domingo três da tarde. Quase ninguém nas ruas. Quase ninguém ao sol. Quase ninguém à sombra, tragando a última cachaça antes da semana. Bateu uma vontade de conversar. Mas não por telefone. Não sem enxergar as pausas. Conversar noutra acepção. Como antes. Com olhos, gestos. Com uma procura. Precisão de gente. Apressei o ritmo da bicicleta. Rapidamente refiz a trouxa, joguei no porta-malas, e retornei a Fortaleza. Cheguei no fim da tarde, dormi esplendidamente.
E ainda achei um tempo para sentar, e lhe escrever isto.
A você, que agora vejo.

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