sábado, 25 de outubro de 2008

Lagos, distâncias, visitas em três linhas


Com Virna Teixeira e Eduardo Jorge, São Paulo [16.10.08]
[Foto: André Dick]


Espaçarias e funambulagens de uma vida entre garranchos

Virna e Edu. Duas conversas - nunca tão-só virtuais - reencontradas pessoalmente. Ela escreve livros de versos como Visita e Distância [7Letras]. Sóbrios, reticentes, reprocessando boas sugestões recentes de poesia em língua inglesa. Temperando-as com uma aguçada sensibilidade visual. Para além, tem traduzido poetas predominantemente do inglês. Em especial, os escoceses [Na Estação Central (Edwin Morgan) e Ovelha Negra (antologia de poetas contemporâneos)]. Verter, essa tarefa cívica. No melhor sentido: elastecimento da língua, postavanção de limites. Mr. Jorge lançou Cadernos do Estudante de Luz e Espaçaria [Lumme], além de ocupar-se com outras mil vadiagens e uma, como videopoesia - cuja discussão gerou, talvez, o mais aceso debate no recente Simpoesia. A partir dos conceitos de Virna, sugeridos pelos títulos de seus livros, assim como da coleção disjuntiva de epaços do Edu, é que penso em ambos. Ou seja, nos termos de uma proximidade espacial que é tão óbvia, a ponto de nos reunir em torno de alguns copos de chope e boa prosa em São Paulo. Virna morou na Monsenhor Bruno - rua de Fortaleza em que moro - à altura em que eu morava no Reino Unido, onde ela depois morou. Edu, alguns anos depois de mim - posto que ambos são uns fedelhos - habitou o mesmo apartamento que ocupei aí pelos idos de 1995-96 no mítico Edifício São Pedro, Praia de Iracema. ("Os que habitaram o quinto andar do São Pedro estiveram mais perto do Céu, e herdarão o Reino"). Aliás, Edu escreveu um poema e gravou um vídeo tomando como mote o velho edifício. [O vídeo, alcunhado San Pedro: Interferência, com a colaboração de Alexandre Veras.] Coincidências? Nããã. Foi tudo planejado. As interseções espaciais, em distintos tempos e ritmos, dizem também de certa confluência e articulação na singularidade.


1. Funâmbulo como se Elástico



2.

          fina linha era

          sobre a cidade: cabelo-fio

          equilíbrio (a partir

          do ponto zero do esforço:

          móbile aéreo fluirá

        a cor – algo entre

        bolchevique e bodisatva

        daltonismo milênio este

        phoros – luz ou buzina

        algo entre som e sentido:

        o espaço na lona, silente

        elástico:

        o fio deixado, do cabelo

        a diante passava fino e cego,

        como o branco, o opaco

destes olhos.

[Eduaro Jorge]



Detox

Enrolou os ferimentos em gaze. Feridas cicatrizam com o tempo. Ainda que restem entalhes. Memórias desenhadas nos ossos, adornos.

Tirou fotografias como registros. Meses após o trauma. Sem sangue nas conjuntivas.

Deixou para trás a câmera. Travesseiro, lençol branco, a água morna do banho. Inverno, lembrança noturna.

A transformação do rosto. Quando retirou as ataduras, as suturas.

No dia da partida, árvores. De perfil no trem, a luz sobre os cabelos, castanhos.

[Virna Teixeira]





manhã


quando chega
a manhã,

o lago
também reflete

estantes

(a palavra clara
dentro do seu nome),

como se vidros

sentissem saudade
depois que passa

a paisagem
[André Dick]


p.s. -- Tentem conhecer algo mais sobre André Dick. Esse poeta e ensaísta gaúcho tem muito mais o que fazer na vida do que clicar três cearenses bebendo chope e jogando conversa. Notem a abertura dos nomes neste terceiro poema ("manhã", "lago", "palavra", "nome", "vidro", "paisagem") contraposta ao opaco dessa "saudade" (tendo a ler "estantes" como adjetivo por alguma desrazão, dessas que só a poesia). Tudo aqui é engenho e quase vítrea transparência. Encontra-se também uma vidraça que segue perfeitamente elíptica. Como usam ser. Ao menos tanto quanto essa sensibilidade à brasileira. E, melhor, escrita desde Novo Hamburgo. Como se não bastasse, o poema é uma remodelação de uma das formas mais notáveis da lírica medieval: a alba.//De resto, no plano pessoal, reconheço que a única virtude da pose, nesta foto, é de estar levemente parecido com Otto Maria Carpeaux. Mas infelizmente erudição não passa por semelhança.

2 comentários:

  1. oi ruy

    3 tres cearenses!!!!!!!!!!!
    eduardo, ruy, virna!!!!!!!!!

    No dia da partida, árvores. De perfil no trem, a luz sobre os cabelos, castanhos.

    [Virna Teixeira]

    abraços

    ResponderExcluir
  2. olá, silke,

    tudo nos trilhos? ,mas quantos brilhos?

    abs.

    ResponderExcluir