quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Pois então, pós-moderno


Andreas Gursky, 1997



Pós-delírios de um pós-febril possesso
Cansei de ser moderno. Mas também não quero usar luvas no inverno. Meu blogue agora será pós-moderno. Mesmo que Giddens não queira. E, então, daqui pra frente, como tudo será (o mesmo) diferente, só postarei metapostagens. E, como se sabe, na pós-modernidade o escritor não escreve mais. É o leitor quem escreve, como dizia Blanchot. O escritor é passivo como um poste com um urubu em cima. Meus posts agora serão assim e acima, com um tremendo urbuzão por lá. Afinal, essa cousa de cânon não está com nada e o negócio é que a poesia é coisa, talvez, para lugar nenhum. Como?

Mas, ao menos, analisemos a leitura-escrita que o leitor faria, pós-talvez, do post com a piadinha do SUS:


Ah, que preconceito, colocar uma pobre foto com a imagem de Drummond.

Ah, que preconceito, misturar Drummond a uma piada sem graça.

Ah, que preconceito, colocar um cara com a estrela do PT na foto.

Ah, que preconceito, fazer pouco da psicanálise.

Ah, que preconceito, o nome de Lacan pronunciado em vão.

Ah, que preconceito, será que você não tem vergonha? Cadê a sua culpa católica? Você não tem opinião?
Não, não tenho vergonha, mesmo. Afora que agora sou pós-moderno. Reconheço que vergonha é um conceito prévio. Um negócio de modernos. Um termo cavilosamente mencionado pelo escrivão da frota de Cabral ao aportar em Pindorama. Um preconceito. E nós fomos amestrados a não ter preconceitos.

Aviso aos pós-navegantes: recentemente, a associação de cegos dos Estados Unidos [IBEU] boicotou o filme de Meirelles baseado em Saramago, Blindness. Eles estão certos: o título do filme é extremamente preconceituoso. O título do filme atenta contra a moral e os bons pós-costumes. Um atentado contra os direitos da pessoa humana cega. Da pessoa humana surda. Da pessoa humana muda. Da pessoa humana obtusa. Da pessoa humana com cirurgias plásticas. Da pessoa humana que vive no primeiro mundo e consome por ano o que uma família africana com dez filhos consome em cinquenta anos. Da pessoa humana que ainda assim se dá ao desplante de ser ativista da causa ambiental. Da pessoa humana que fê-la por que quê-la. Da pessoa humana que só vai ao supermercado com a mesma sacola reciclável e se acha moralmente superior por isso. Da pessoa humana que crê que há semiótica. Da pessoa humana que assume próteses identitárias ao invés de odontológicas. E de uma trinca de macacos chineses.

Arre, cansei de ser escrito. Vou voltar a ser moderno. A partir do próximo post, voltarei a ser moderno e escreverei de novo. Será minha vingança. Minha palinódia. Vou mostrar a que vim. Serei moderno. Modernizar-me-ei. Aliás, desposmodernizar-me-ei. Estou mudado. Minha vida se modificou. Mesmo sem ter você. Inté. Celeró.

Pós-serenou na madrugada, não deixou bem dormir.

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