sábado, 22 de novembro de 2008

Bastidor editorial: as vicissitudes do tradutor


[s/i/c]


O marketing e a função do sovaco esquerdo


Certa feita, tendo retraduzido do inglês uma grande quantidade de textos clássicos da China e do Japão, reuni-os em uma coletânea, com um prefácio introdutório. Eram treze textos que vinham desde o Medievo até o sec. XX. Pensei em dois títulos. Em Louvor das Sombras, que é como se chama um belíssimo ensaio do romancista japonês Junichiro Tanizaki. Ou então, Dez Mil Pingos Feios, que é o presumível título atribuído a certa tela de um pintor chinês do sec. XVII. A mesma que muitos críticos julgam antecipar o abstracionismo. Resolvi, então, sondar a possibilidade de publicar a antologia por certa editora paulista. Analisando o material, o editor encarregado me disse com ar de perito:

--O título precisa ser trocado.
--Você não gosta de Em Louvor das Sombras?
--Não, muito sombrio, muito pra baixo.
--E que tal Dez Mil Pingos Feios?
--Piorou. Uma coisa que afugenta o leitor. Se tem que pensar no marketing da coisa. Isso aqui não é brincadeira.

Botei meus originais no sovaco esquerdo e fui-me embora.


Nota - cinco anos depois do sucedido, a Companhia das Letras - que não era a editora em questão - publicou um livro com o ensaio de Tanizaki sob a rubrica Em Louvor da Sombra, com tradução de Leiko Gotoda. O livro, para a raridade e especificidade do assunto, foi bastante bem recebido pela crítica. Tradutores são assim. Sentem-se vingados por outros tradutores. Ao contrário do arranca-rabo de praxe entre poetas, ensaístas e ficcionistas. De resto, nada como a boa serventia do sovaco esquerdo diante das astúcias do marketing.


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