terça-feira, 4 de novembro de 2008

Uma necessidade de cidade


Ruy Vasconcelos, 2008



Espaço, dimensão humana:
por uma ontologia da aldeia

No instante em que as relações humanas são cada vez mais deslocadas para extensões indefinidas de tempo e de espaço [Giddens], cada vez mais sinto uma necessidade de cidade. Do volume de uma fruta sobre a mesa. Cor e aroma de café, fumaça do cigarro. Um forte desejo de transparência. Contornos bem definidos. Nitidez. Um pouco mais de conclusão. Alguém dando bom-dia. Ou certas letras em alto relevo na fachada de uma casa da rua em que moro: Pax et Bonum. Hoje nossas cartas são trocadas em virtualidade. Os jornais, lidos no espaço imponderável.

Mas essa necessidade de cidade. Ruas. Gente andando. Cambiando bons-dias. E todos os dias da cidade acumulados nesta manhã. Vejo areia de dunas e bredos-de-praia sob o asfalto. Lavandeiras pairando por cima. Lagoas intactas. O espaço da cidade antes de ser cidade.

Dia desses, passei algum tempo caminhando no quintal do velho Palácio do Bispo, ali nos fundos da Sé. Impossível, ao ver o esgoto em que se converteu o riacho em torno do qual a cidade se ergueu, não pensar no quanto o poder das comodidades modernas vem da mesma fonte abjeta que acumula toda ilimitada circunstância de vontade.

E, no entanto, muito antes disso, é preciso supor o espaço da cidade anterior a ela. Uma espécie de ontologia da aldeia.


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