segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Por todas e um zelo especial por cada


[s/i/c]




A Palavra Conhecida Por Todos

O amor a todos ama.
Somos feitos de amor,
Porque o amor ama amar o amor.
É a palavra conhecida por todo homem
Desde o útero,
Pois nem aí seu coração é só seu.

O amor quer o bem de alguém.
E é por isso que nós – namorados,
Pais, irmãos, filhos, amigos – amamos.

É a palavra que todo homem sabe.
E que mesmo o insensato deseja.

Não é esgotável nos divãs.
Ou totalmente revelável no cinema.
Nem sempre pressentido ou claro,
Pode ser opaco como turva
Água de mangue. Como feltro escuro
Com copa e cinteiro cinza à cabeça.
Como sangue.

É o mais próximo que se pode chegar
Do Paraíso.
Não importa, se dura seis minutos
Ou uma vida.

O amor ama todas as coisas
Com um zelo especial
Por cada uma delas.
Pois todas elas por ele foram criadas.
Do alfinete ao ornitorrinco,
Passando por cinteiros
E o espectro todo das cores.

Às vezes, o corpo quer ser alma.
Às vezes, é alma que pretende ter músculos.
E, no entanto, só amor a ambos pode fazer entender
Que amar nunca é só pensamento ou só ato.

Ruy Vasconcelos





Nota - escrevi este poema muitos anos atrás. E não consegui mais localizar o original. E tive de lembrar de cabeça. (Ele é modernista demais?) A gente perde as coisas: livros, discos, instrumentos, referências, casas, longas festas, aquelas intermináveis rodas de conversa e suas graças. Perde as pessoas. Perde o aspecto. O vigor físico. Tudo passa. Só o assunto deste poema nunca se elude. Porque a memória é um dos espaços que o vivifica. Acho que quando o escrevi estava lendo um livro de Richard Wilbur [e, salvo engano, também Santo Tomás].  E, no entanto, ele não parece com as coisas de Wilbur. Palavras como "mangue" ou "cinteiro" não são do léxico dele. Mangue é uma palavra chave para mim. Me faz lembrar do outro lado do Rio, em Camocim. Virando o disco [esta expressão já não faz muito sentido, mas ainda existe], sobre Wilbur, há este trecho - entre outros - a se sublinhar de uma sua entrevista à Paris Review:


Acho que, como muitos americanos, tenho muito respeito pelo atual e pelo físico. Vivemos chutando pedras, sabe, e não fazemos exatamente o tipo de nos encantar com sistemas de pensamento abstratos como os europeus, especialmente os franceses. Os franceses estão sempre chegando com coisas terrivelmente maçantes que eles acham trés, trés, trés interessantes. Gente como Sartre pode escrever um livro inteiro a partir de um proposição que é, no fundo, falsa: a de que Jean Genet, por ser masoquista, possui a humildade de um santo. Não faz nenhum sentido dizer isso uma única vez, mas um intelectual francês escreve um livro inteiro a respeito. Talvez nós americanos nos percamos um pouco na direção contrária, achando que somos muito primitivos e não temos qualquer respeito pelo que não tem voz ou é indizível. Talvez porque estejamos mais próximos da fronteira que eles, e, portanto, mais imunes a nos perdermos dentro de nossas próprias mentes—estamos certos de que há algo aqui fora.
Para a entrevista na íntegra (em inglês) segue o linque:

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