sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Dos aplausos ao solo de trompa e os desideratos do poder


[s/i/c]




Sete Vezes Sete Mais

Era uma vez uma orquestra sinfônica. Toda orquestra, a mais harmônica das associações humanas, se compõe de rígidas hierarquias. Há o pessoal dos bastidores, os copistas, os concertinos, os chefes de naipes, os solistas, o spalla, o maestro. Essas hierarquias vêm de longe. E, se não fosse por elas, como num bem-humorado filme de Fellini, a música que a orquestra produz não se faria.
Mas há que diferençar algo: a paixão que se tem pela arte, da paixão que se tem pelo poder que a arte gera.

Nessa orquestra, havia um trompista. O spalla das trompas. A cada vez que solava, um som favônio arrancava do instrumento. Se o maestro, mais atento, lhe mandava erguer-se para ser aplaudido, em destaque, ao fim da peça; era cumprimentado por dezenas em fila, ao final do programa. Acumulavam-se-lhe tapinhas nas costas, e sentia muitos, exóticos perfumes exalando-se do decote das grã-finas. As palavras eram sempre vindas de lábios em sorrisos derretidos como queijos ou chocolates ao fondue.

Porém, às vezes, tirava sons quase impossíveis de seu tubo de metal. Uma inesperada agilidade, acumulada em incontáveis horas de estudo digitando as chaves, guiavam seus dedos para notas de nuances impressentidas, não escritas na partitura. Quando muito, subentendidas. E, no entanto, acontecia de naquela soirée o maestro estar com pressa. Tinha de sair da sala para a casa da amante. Ou dívidas a negociar sem mais prórroga. E, ao final, esquecia de destacar o trompista. E os cumprimentos, então, se resumiam aos sóbrios apertos de mão de três ou quatro colegas. Os de sempre. Os que, como de uso, não deixavam de ouvir a proeza do trompista.

Mas ele depunha sua trompa no estojo. E saía satisfeito para casa. Do mesmo jeito (ou até mais) do que quando o maestro o destacava.

Vivemos num mundo em que o destaque do maestro vale sete vezes sete mais que a perícia do trompista.


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