sábado, 7 de fevereiro de 2009

A garantia de posteridade: Niemeyer


[s/i/c] Detalhe do Edifício do Congresso Nacional


variedades
Niemeyer, o obelisco e além

Sobre Niemeyer, um comentário de Creeley quando visitou o Memorial da América Latina, que era mais o menos como: “ele deve gostar de plantas em vasos”. De fato, a impressão de Creeley é muito semelhante à de meu pai, quando, certa tarde levei-o até o Memorial para uma apreciação 'in loco' da arquitetura do mestre carioca: um desamor à primeira vista. Diante dos excessos de concreto, a ausência de plantas. Em especial, de árvores. De árvores frondosas, que se debruçassem sobre os edifícios, ou os precedessem em alameda ou alguma simetria ajardinada. Para armar um pára-sol ou quebrar um pouco com o plano que destaca, em excesso, a sinuosidade dos edifícios; e lançar sombras, outras curvas: prover a umidade do zimbro á noite.

70% da população de Brasília se opôs à construção do recente obelisco proposto por Niemeyer. A demonstração indica alguma maturidade da população. A arquitetura de Niemeyer tem algum mérito. E também problemas. Mas todos esses problema seguem cercados de uma virtude: ela esteve tão acerca do poder, em todas suas nuances, que está protegida para a posteridade.

É essa a sua grande virtude: a proteção para a posteridade. É a posteridade que nela encontrará uma beleza que alguns de nós não enxergamos, por idiossincrasias diversas. Porque para o presente, ela parece estar tão distante da árvore, da paisagem. Ela não conjuga-se com natureza. É claro que há a sensualidade curva das linhas, alguma citação do Aleijadinho, etc. As colunas de seus palácios de Brasília, que Joaquim Cardozo ajudou a calcular, são, hoje, clássicos da arquitetura moderna. Emblemas do Brasil.

Mas, no fim, qualquer edifício ou conjunto de edifícios que, neste país, consegue permanecer mais de cinqüenta anos de pé sem alterações significativas na sua estrutura básica (ou mesmo na paisagem de seu entorno), como a Esplanada dos Ministérios, torna-se mais belo.

O tempo empresta uma dignidade ímpar às construções mais estranhas. Como aquele mausoléu de família erguido quase à entrada de Pacoti, na Serra de Guaramiranga, que, por se estender a ambos os flancos da via, acaba estreitando a estrada. Há qualquer coisa de fantasmático ali. Um dia, Brasília se povoará dessa fantasmagoria. Mas isso é para quando não estivermos mais aqui. Para a geração dos netos de nossos netos.

A beleza que se divisa agora, será bem mais ampla no futuro. A transparente beleza dos palácios brasilienses. Como caixas de cristal vazadas de sol.

* * *



Um comentário:

  1. Ruy,

    A questão é que não há "um" Niemeyer. A sensualidade das linhas resiste, porque é irresistível. A Igreja da Pampulha, idem. Mas as formas cansam. Todas elas. E Niemeyer é voluntariamente tautológico, antifuncional. Quando tenta sair disso, lá se vem o Memorial e outras coisas mais. Lembra-me um tanto o Drummond-cronista do final tentando ainda ser o Drummond-poeta (que, às vezes, mas nem sempre, foi brilhante). Cansamo-nos nós da exposição do concreto, prevemos já as suas assimetrias. Tempo, meu amigo, tempo... E todos nós iremos "dar aos Prazeres", como disse talvez Eça de Queiroz, mas já não sei ao certo.

    Grande abraço
    Cláudio

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