sexta-feira, 17 de abril de 2009

Cinco sóis em uma hora


Anthony Davidson, Take Five, 1962




Quatro estilhaços e meio começando com 'um escritor'



um escritor que começa obcecado com o fato de seu texto ser ou não "decodificado" pelos leitores está mais interessado no impacto que o texto terá sobre os leitores do que no texto em si [ou seja, do que em revelar uma realidade, um desvio, um segredo, contar uma história, glosar um acontecido...]


um escritor quando escreve, não escreve para leitores [quem pensa em público, pensa em grupo; pensa em massa; pensa em múltiplo; pensa em bando; pensa em Maria, e em vai, e em com as outras. E quem pensa em número, pensa em numerário. Quem pensa em público já está censurado antes mesmo de digitar a primeira letra. Para pensar nos leitores há os políticos, os corretos, os marqueteiros, os assessores de imprensa, os publicitários, os maus jornalistas, os que nunca gaguejam, os que escrevem e apresentam telejornais, os psicanalistas, os líderes sindicais, os ditadores]


um escritor não pensa em códigos, decifrações, seu reino passa longe de semiologias, seu exílio faz parte de intuição, de verdade

um escritor não pode escrever pensando em fazer amigos, inimigos [ainda que o que ele escreva fatalmente resulte nisso]

um escritor não escolhe sobre o que escreve [como num sonho, é ele "o escolhido". Relendo depois, poderá sempre se justificar. Urdir causalidades. Traçar paralelos. Recolher cacos de passadas leituras. Rever-se. Acrescentar-se. Mas se essas justificações, causas, revisões, acréscimos acabam ganhando maior dimensão que seu próprio escrito, é porque este foi sempre menor. Quer dizer, foi sempre mais para bois e sonos. Não foi grafado com a força de sua intuição e de suas tripas, com o semi-automatismo da mão que segue, a mercê de um pensamento longe, em errância, divagação, desvio, viagem, vagabundagem, transumância, flanagem, exílio, migração. O automatismo da mão. A mão que segue quase sempre para onde nós não a mandamos]

um escritor escreve [e às vezes bem que sonha em, nas férias, seguir de moto até São Luís do Maranhão]



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Um comentário:

  1. Meu caro amigo Ruy,

    Posso ler sue texto numa roda de leitura, integrante de uma oficina de Sensibilização para leitura, junto a professores de todo o estado do Ceará?

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