domingo, 12 de julho de 2009

O signo da flor a emprestar o tema: Creeley


John Chamberlain, Automobile parts and other metal, 1960




The Rhyme


There is the sign of

the flower

to borrow the theme.

But what or where to recover

what is not love

too simply.

I saw her

and behind her there were

flowers, and behind them

nothing.


Robert Creeley



A Rima


Há o signo da

flor

a emprestar o tema.

Mas o quê e onde recobrar

o que não é tão simplesmente

amor.

Eu a vi

e atrás dela havia

flores, e atrás delas

nada.




Nota - Este é um dos mais conhecidos poemas de Creeley. Amplamente traduzido para várias línguas [e, em particular, para o alemão, onde sua poesia conheceu especial destaque antes de chegar a outros falares]- e nem sempre bem. A peça é bastante simples, à primeira e até à segunda e à terceira vista. Mas a cada vez que releio Creeley, mais me convenço de que ele é o mais importante poeta em língua inglesa da segunda metade do sec. XX. Desde que também se entenda que os norte-americanos produziram muito melhor e mais diversa poesia do que os europeus. Os britânicos, os alemães, os italianos, os ibéricos. Dos franceses, nem falar. A cultura francesa é a mais engessada, acadêmica e burocrática que se pode perceber no Ocidente no segundo quadrante do sec. XX - talvez com a exceção do cinema e de Asterix. E, inclusive, tomou uma direção pavorosa após a II Guerra. Especialmente esteada num laicismo, num reforço ao republicanismo, à idéia do intelectual como sacerdote e em certo senso de sacralização da arte que são medonhos, para dizer o de menos. Mais sobre esse nefastismo da cultura francesa é discutido aqui. Mas voltemos à Creeley e ao frescor de um poema como este, que é de For Love [Para Amor ou Por Amor], seu primeiro livro em edição comercial, que reúne toda sua produção da década de 50. "A Rima" é o tipo de poema que jamais poderia ser escrito por um inglês, por exemplo. E por quê? Porque a concepção de poesia para uma autor britânico é excessivamente "poética", quase divorciada da fala, ao contrário da norte-americana. Está muito centrada em esquemas métricos e rímicos. Um hieratismo quase teatral ou shakespeariano. E a fala é a melhor tradução, a mais concreta e vívida da vida coletiva de um povo. Portanto, é seu alto grau de informalidade que diferencia Creeley e os norte-americanos de seus pares do lado de lá do Atlântico. Neste, "A Rima" toda essa diferença começa na comezinha despretensão, casualidade, gratuidade dessas primeiras linhas: "há o signo da/ flor/ a emprestar o tema". O signo da flor, ao qual ele se refere, é, naturalmente, o signo mais universal da poesia. Esse signo designa ao mesmo tempo o verso [daí que, antigamente, em português as antologias eram chamadas de "florilégios", coleções de flores - ou seja, de versos] como também, claro, a flor é a metáfora mais recorrente para a mulher em qualquer tradição de poesia. Até mesmo na Oriental. Num segundo momento, de modo um tanto irônico, é como se ele dissesse: "tudo bem, há esse clichê da flor, que é bonitinho, etc.; mas onde, de fato achar falar de amor que não se resuma a esse signo, que não lance mão exclusivamente dele, da simbologia da flor?" Creeley, então, matreiramente, diz ver a mulher de sua eleição num primeiro plano: "eu a vi". Essa instância de ver é também concreta e americana - não por acaso, cinema é sinônimo de Estados Unidos. E se pode dizer isso apesar de Creeley não ser um poeta-fotógrafo ou pintor como Williams. A despeito disso, esse "ver" ["eu a vi"] destaca essa mulher, lhe empresta uma dignidade, uma importância impressentidas. Mas também diz que havia mais flores -- ou seja mais versos, e, no entanto (muito ironicamente também) mais mulheres -- atrás dela. O ponto é que num segundo "atrás" desse pano de fundo de "versos e outras mulheres" há um outro, um cenário mais definitivo: o "nada". O nada, que, de outro modo, agrega ao poema uma dimensão absolutamente inusitada e devolve a importância à figura da mulher que se encontra, avulsa, adiante, em primeiro plano, "ela", que foi vista distinta e singularmente, à frente das demais. Mas a poesia de Creeley é também marcada pelas ambiguidades. Pode-se, por exemplo, indagar se "ela", a primeira a ser vista, a eleita, a destacada, também não compõe o grupo com "elas" no segundo plano diante do "nada" ao fundo da cena toda. Se ela também não faz parte desse "them" ["delas"]. É uma possibilidade de leitura. Porque há essa possibilidade, que, ainda uma vez, remete para ambiguidade da fala. Não para uma ambiguidade conceitualmente teórica, elaborada filosoficamente ao modo de uma logopéia, decalcada de uma tradição poética clássica e anterior, como tanto agrada aos europeus.
Digo tudo isso apenas para não entrar nos aspectos mais formais da poesia de Creeley, que já são tão mais conhecidos no Brasil: o encadeamento, o uso de prosaísmos, o deslocamento de preposições, as suspensões, sínquises, a tendência ao minimalismo, o privilégio das partículas expletivas, a estranheza sintática, etc. E que, de resto, foram, no atacado, tão mal pastichados ou absorvidos por aqui.



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