terça-feira, 8 de setembro de 2009

Segunda no Parque


Gamboa, no Parque do Cocó, em Fortaleza



Ei!


Ontem, no feriado, caminhei por uma hora no Parque do Cocó. O parque parece com qualquer parque urbano de qualquer metrópole brasileira. Estão sempre construindo algo. O Ibirapuera em São Paulo, por exemplo, já está coalhado de pequenos edifícios - o que inclui uma pavorosa "oca" desenhada por quem? Por Niemeyer, claro. No Parque das Pedreiras, em Curitiba, ao menos a Ópera de Arame é mais bela, e se ajusta melhor, pela trânsparência e leveza, ao entorno da vegetação e dos rochedos.
No Cocó - a exemplo dos demais - há uma mancha excessiva de gente. Uma mácula rondando-o. Pairando acima. Em certos trechos, um mau-cheiro de ureia. Noutros o de capim pisado e repisado pelos acolchoados tênis que calçam o desenvernizado novo-riquismo de nossa burguesia. A sinalização é de gosto duvidável. E enormes condomínios foram erguidos – sabe-se lá driblando que legislação urbana – na franja oeste do parque.
Com imensas varandas, dando as costas à avenida e virando-se para ele. Quantos vereadores imbecis foram subornados para permitir tanta desfaçatez, como sempre, nunca se vai saber...
Ainda assim o parque é um belo local: é mangue! E a vegetação dos manguezais é sempre bonita. Em certa trilha quase se fecha inteira, com as copas das árvores, de ambos os lados da alameda, tocando-se e formando um formidável túnel de invulgar beleza para se passar por baixo.
De tipos humanos havia de tudo. Desde um pai com uma criança – já não tão de braço – sempre no braço, assoviando, como se tentando atrair os passarinhos, que deviam assustar-se com seus trilos, até aqueles seres um pouco rechonchudos metidos em malhas colantes e falando sobre o quanto a aposentadoria de fulana está se depauperando, passando por um sujeito com uma pequena filmadora, aparentemente gravando um galho com um pequeno animal esmagado e mosquitos em torno.
Em geral, achei o parque mais ressequido do que esperava, depois de um ano de tão copiosas chuvas. Ao menos, uma clareira em que se costumava jogar futebol ainda permanece vasta lagoa, já um tanto rasa nesses começos de setembro.
Mas o detalhe mais precioso ocorreu no final. Quando já saía da seção das trilhas para a praça, um grupo de escolares chegava do subúrbio ao parque, tutelados por duas ou três “tias”. À minha frente caminhava um senhor de meia-idade, um tanto gordo e de gestos incisivos à cada passada. Um garoto, de seus onze anos, que antecipara-se ao grupo, ao se deparar com esse senhor e seu modo mecânico de andar disse-lhe:
–Ei, bicho fei'!
Em que outro local do mundo, um garoto de onze anos, vindo em uma excursão escolar, poderia ser mais maliciosamente sincero [e politicamente incorreto]? E há também que se notar essa rima entre o 'ei' inicial e o dialetal [e charmoso] 'fei' que fecha a frase, por a língua portuguesa falada no Ceará buscar essas assonâncias como um cassaco busca o olho das árvores para nidificar.

O senhor de meia-idade? Seguiu: mecânico, impassível.

De emblemático, naquele momento mesmo, encontraram-se a rua e o shopping-center. O interior e a capital. As cadeiras na calçada à noite e as guaritas dos condomínios. O ônibus e as vastas camionetes refrigeradas. A feira e as lojas de grife. A bodega e a lojinha de conveniência. A fala e a escrita.



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