quinta-feira, 22 de outubro de 2009

O bem não feito, o amor não dado, o tempo gasto em nada: Larkin

Otto Dix, Dance of the Death, 1924



Aubade


I work all day, and get half drunk at night.

Waking at four to soundless dark, I stare.

In time the curtain edges will grow light.

Till then I see what's really always there:

Unresting death, a whole day nearer now,

Making all thought impossible but how

And where and when I shall myself die.

Arid interrogation: yet the dread

Of dying, and being dead,

Flashes afresh to hold and horrify.


The mind blanks at the glare. Not in remorse

- The good not used, the love not given, time

Torn off unused - nor wretchedly because

An only life can take so long to climb

Clear of its wrong beginnings, and may never:

But at the total emptiness forever,

The sure extinction that we travel to

And shall be lost in always. Not to be here,

Not to be anywhere,

And soon; nothing more terrible, nothing more true.


This is a special way of being afraid

No trick dispels. Religion used to try,

That vast moth-eaten musical brocade

Created to pretend we never die,

And specious stuff that says no rational being

Can fear a thing it cannot feel, not seeing

that this is what we fear - no sight, no sound,

No touch or taste or smell, nothing to think with,

Nothing to love or link with,

The anaesthetic from which none come round.


And so it stays just on the edge of vision,

A small unfocused blur, a standing chill

That slows each impulse down to indecision

Most things may never happen: this one will,

And realisation of it rages out

In furnace fear when we are caught without

People or drink. Courage is no good:

It means not scaring others. Being brave

Lets no-one off the grave.

Death is no different whined at than withstood.


Slowly light strengthens, and the room takes shape.

It stands plain as a wardrobe, what we know,

Have always known, know that we can't escape

Yet can't accept. One side will have to go.

Meanwhile telephones crouch, getting ready to ring

In locked-up offices, and all the uncaring

Intricate rented world begins to rouse.

The sky is white as clay, with no sun.

Work has to be done.

Postmen like doctors go from house to house.


Philip Lakin



Aubade


Trabalho o dia todo, e à noite fico meio bêbado.

Acordo às quatro em silente breu, e observo.

Breve da cortina a luz vertendo-se pelo lado

E até então, vejo o que sempre esteve lá, em nervo:

Incansável morte, agora um dia mais rente

Tornando impossível pensar com que mente

E onde e quando eu mesmo devo morrer.

Árida questão: temor absorto

de morrer, de estar morto,

Lampeja vivo a me dominar e estremecer.


A mente lacuna-se à visão. Não em remorso

O bem não feito, o amor não dado, o gasto

Tempo em nada – nem lamentavelmente o esforço

Que uma vida toma ao escalar seu lento rasto

Certa de seus começos equívocos, e nada de acerto:

Mas do total vazio sempre perto,

A segura extinção que será nosso paradeiro

E quase sempre se esquece. Não estar mais aqui,

Não estar mais ali,

E em breve; nada mais terrível e mais verdadeiro.


Nenhum truque dissipa esse medo único. A religião escorre

Um vasto, comido por traças, brocado musical

Criado para fazer de conta que não se morre,

E teorias especiosas dizem que um ser racional

Não pode temer o que não sente – nem som, nem sinal

Nem toque ou gosto ou cheiro, nada com que pensar

Nada para amar ou se ligar,

O anestésico para o qual nada vem de encontro, afinal. 


Então ela fica bem à beira da visão

Uma mancha desfocada, persistente frieza

Que ralenta cada impulso em indecisão

Muita coisa jamais haverá: ela é certeza,

E sua realidade raiva acende

Na fornalha do medo quando a gente se pega sem

Companhia ou trago. Não adianta coragem:

Significa não assustar os outros. Ter postura

Não livra ninguém da sepultura.

A morte não muda, se vista com pranto ou vantagem.


Lentamente a vida encorpa, e o quarto se encontorna

E assoma plano como um armário, o que se sabe,

sempre soube, o saber que ela não se contorna

ainda que se não aceite. Há um lado que não cabe.

Enquanto telefones vergam-se, preparando o toque

Em escritórios fechados, e feito de intricado xaboque

De alugado descaso o mundo desperta sua vasa.

O céu é claro como barro, sem sol ao limiar

Alguém tem de trabalhar.

Carteiros como médicos vão de casa em casa.



* * *

3 comentários:

  1. este poema deve ter dado um trabalho da porra. ficou lindo, ruy.

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  2. Olá Ruy.

    Gostei do Larkin em si.

    O nosso Manuel Fonseca também tem uma muito interessante tradução deste poema.

    Um abraço.

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