quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Que a tempestade lave os pratos


[s/i/c]



Hoje, a poesia em luto


Acabo de receber a notícia da morte do poeta escocês Edwin Morgan.

Uma das mais ferteis mentes da poesia britânica do último quadrante, Morgan era também um versátil tradutor. Aberto ao mundo desde sua Glasgow, chegou mesmo a trocar correspondência com os poetas concretistas brasileiros, nos anos 60.

A notícia me foi dada por Virna Teixeira, sua tradutora no Brasil [Na Estação Central, ed. UNB].

Nosso carinho e gratidão a este magnífico poeta e tradutor.

Há algumas versões de Morgan tanto aqui por Afetivagem, quanto, sobretudo, em Papel de Rascunho, o blogue de Virna - que, por esmerada coincidência, publicou uma tradução do vate escocês às vésperas de seu falecimento.


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O que mais aspiram redear


[s/i/c]



Um sobrevôo sobre Twitter


Após uma estadia de uns poucos meses, para sentir a porta nos guizos, saí do Twitter.

Explico. Nada tenho contra quem lança mão dessa ferramenta. Mas a figura adequada para defini-la é uma esponja. O Twitter suga o quotidiano das gentes: diários, lembretes, mementos, pequenos - íntimos - recados, para convertê-los em assunto público.

Por isso mesmo, repassa a sensação de um micro-Big Brother grafado. Um em que as pessoas sentem-se niveladas com o que mais almejam ser: celebridades. Ou com o que mais aspiram redear: a possibilidade de formar opinião.

Porém, se coadas, as micro-mensagens do Twitter, como das redes sociais no atacado, nada trazem de novidade. São tão-só uma ampliação de Narciso. Certa necessidade de se auto-afirmar, de assegurar aos outros que se está inserido dentro de uma teia social que, no mais das vezes, apenas reproduz, em régua milimetrada, a política institucional.

A analogia, aqui, é a da horrenda obrigatoriedade da propaganda eleitoral gratuita. Com a patente diferença de que esta propaga as propostas - quase sempre ralas, vagas e populistas - de um número consideravelmente mais reduzido de pessoas.

O Twitter não. Está aberto ao bizarro de qualquer um que disponha de acesso à rede.

Ele é uma poderosíssima ferramenta de propaganda. E uma bastante desporporcional, desde que as celebridades, que já o são fora da virtuália mais estrita, dele lançam mão para ampliar ainda mais, seu poder. E, claro, com mais brevidade. A brevidade do Twitter tem nada a ver com concisão.

Os 140 caracteres é o supra-sumo da 'informação', por contraposição à 'narração' - no senso benjaminiano. Mas na barbárie informativa em que esse dispositivo se tornou não há espaço para uma nova forma de sabedoria, tal qual entrevista por teóricos como, digamos, Agamben.

Há, isto sim, a lógica da exposição e do lucro. O Twitter é uma ferramenta indispensável para muitos, porque, além de afastá-los da auto-reflexão que só uma pequena fração diária de tempo proporcionaria, possui também uma espécie de darwinismo: os que mais são seguidos são os que menos seguem. Ou seja, os mais aptos a devorarem a mente dos outros numa cadeia de formação de opinião, são os menos afetados pelos demais. Os demais são presas. As celebridades, predadores.

O Twitter, desde sua concepção, fere avassaladoramente os princípios judaico-cristãos de compaixão e, mais especificamente, de solidariedade. Daí que, quase de modo infantil, os utilizadores queiram, via de regra, possuir mais seguidores que seguidos.

Ou seja, querem mais que os outros com eles se importem do que o contrário.

Tamanho grau de exposição pública difere radicalmente do texto literário. Este, ainda encontrou nos blogues seu canto de cisne. No Twitter, a pedra de toque passa ao largo da generosa gratuidade da poesia, da imaginação, do livro. E do tempo que é necessário para fruí-los. É por isso que sua especiosa objetividade consiste, de fato, na mais insidiosa forma de má subjetividade jamais alcançada nos circuitos virtuais.

Nele, a bizarra necessidade de afirmação de uma individualidade cosmética e plastificada chega a seu paroxismo. Especialmente num país que vem passando por uma enorme mudança na instância do consumo. A necessidade de se auto-representar como "in", pelo que se consome praticamente decuplicou. E isto eleva-se ao cubo, numa cidade nova-rica, como Fortaleza. As pessoas querem ser tomadas como "especiais" pelos iogurtes, câmeras, música ou pequeno gadgets eletrônicos que consomem. Isso tudo assilhueta o Twitter em algo, por vezes, tão sombrio, que só encontrável em certas páginas de Conrad. Ou, mais propriamente, no Livro do Eclesiastes.

O vôo do pássaro de seu logo rouba qualquer possibilidade de real tédio. Ou imersão pessoal. O tédio salutar. O tédio que aponta para "o estofo de que são feitos os sonhos". O que conduz, posteriormente à criação de artefactos carregados de uma beleza imperecível, feita das experiências de que realmente necessitamos - e são as mais amesquinhadas. Das experiências que conduzem à confecção do belo - tanto no sentido matemático - pois o Twitter é uma desmesura - como no dinâmico - porque sua mixórdia impede uma concatenação de ideias, uma vez que é ainda mais fracionado, disparatado, que a falta de correlação entre as notícias em um jornal. O Twitter é uma espécie de contra-Sublime.

Verdade, isto tudo são apenas reclamos. E a potência de uma ferramenta como esse micro-"Bog" Brother veio para ficar. Quiçá assumindo num breve futuro o aspecto de um Ferrabrás ainda mais desmedido.

O poeta Carlos Augusto Lima definiu-o como um freak show.

Não está longe disso.



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terça-feira, 17 de agosto de 2010

De sermos numerosos



Koloman Moser, Clear Glass, c. 1900



Fora disso


Estamos em toda parte. E em todo tempo. O tempo todo. Todas os espaços. Não há o que desejar fora disso. E é isso o que Fernando Pessoa não entendeu, ao dizer: "Ah, não ser eu toda a gente e toda a parte!".
Aqui ele toca, um tanto involuntariamente - se possível dizer que algo há de involuntário em Pessoa - a questão crucial, retomada tantas vezes pelo poeta norte-americano George Oppen: o sentido de ser muitos. Título, de resto, de um de seus livros: Of Being Numerous [De Sermos Numerosos].


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