sábado, 2 de outubro de 2010

Algo com uma telenovealidade?

Lee Friedlander, 1962





Mover ou Comover?
-algumas considerações leigas sobre a televisão em geral & sobre a televisação da imprensa escrita


Entre mover e comover, é preferível mover. Mover mostra. Comover tenta obter uma forçada empatia. Comprovar uma tese. Angariar uma sanção. Um convencimento. Baseia-se em uma raison d'être que é eminentemente maniqueísta.

É um tanto por isto que chega a ser difícil encontrar em nossa imprensa escrita – seja virtual ou não – um texto verdadeiramente instigante. Embora, via internet, o volume desses textos seja incomensuravelmente mais profuso e eles praticamente empreendam uma cobertura em tempo real dos acontecimentos. É claro que os manuais de redação – com os da Folha e o do Estadão bem à testada – tem muito a ver com o sensabor de tudo isso. Mas a coisa vai além.

Notem o quanto, mais e mais, gente da imprensa escrita se vem rendendo às câmeras. E isso parece ser quase uma tendência sem volta. Desde que é tão fácil pôr imagens nos portais noticiosos da internet.

Porém, tornando ao mover e comover, pode-se ir um pouco mais longe no argumento.

Vivemos num país excessivamente comovido, via televisão. E não só pelo cacho diário de telenovelas, pois a linguagem destas “é” a linguagem da televisão brasileira, com alguns empréstimos blockbusters. E há décadas.

Essa linguagem, aliás, estende-se aos anúncios. Aos reality shows. E até mesmo ao jornalismo televisivo – não descartando-se aqui sequer o esportivo ou o político – que está impregnado dessa narratividade barroca e telemelodramática. Em especial, o seu mais poderoso bastião: o Jornal Nacional. Será mera coicidência que vem ensanduichado entre duas telenovelas? Será mero acaso que seja apresentado por um casal? E o que dizer das lágrimas de William Bonner quando da morte de Roberto Marinho? E de toda contrafação emocional que ronda o teor dos assunto tocados? Os semblantes dos apresentadores ou âncoras raramente são neutros. Mais isentos, compostos. Porém ou compungidos ou risonhos. Ou então, abertamente cínicos, como nos casos de Diogo Mainardi ou Lucas Mendes. O adestramento dos, em geral, maus atores de telenovela vazou para jornalistas, que sequer são capazes de uma tarefa simples: “ler” as notícias num teleponto com um tom de voz minimamente neutro ou composto. Comentar essas notícias com um mínimo grau de dignidade e verdadeiro senso de humor, quando o caso for. Um humor, aliás, que quase como todo humor no Brasil – vá-se de Casseta & Planeta à Revista Aerolândia – cansa muito ligeiro, pelo esgotamento da fórmula.

Muito aos poucos a audiência de televisão no Brasil acorda para alguns desses aspectos. Especialmente onde eles são mais caricatos. Daí toda a celeuma em torno de Galvão Bueno, alguns meses atrás. Galvão é uma espécie de síntese de tudo isto. Uma ponta mais notável de um iceberg que ainda vai demorar muito a degelar. Embora, notem, a presença de Galvão se dá muito mais pela voz do que pela figura. O que se está rejeitando, aqui, ainda é menos o sistema de imagens e mais algo ligado a aspectos radiofônicos. Mas, no caso de Galvão, tantos anos postando-se de torcedor-sócio-proprietário da seleção brasileira começou a incomodar. E até a despertar piadas de dentro da própria televisão, não é de hoje.

Pode-se alegar a hipérbole de Paulo Francis, alguns anos para trás. Mas Francis era, no mínimo, suficientemente lúcido para, em sua máscara televisiva, agregar uma paródia de si, prenhe de auto-humor. Seu cinismo, ao contrário, digamos, do de um Mainardi, possuía um lastro de verdadeiro humour e, sem dúvida, uma pitada de inteligência que passava longe de bílis ou de uma atitude blasée, porque embora emitido desde fora, fundamente calcado na realidade brasileira e pontuado por analogias, de fato, inusitadas.

Há anos que só é possível assistir programas como o Jornal Nacional, Fantástico, Globo Repórter ou Manhattan Connection, ou ler jornais como a Folha ou as notícias de quase todos os portais online dos grandes conglomerados de comunicação no Brasil mais ou menos do modo como se lê má ficção.

Ou se vê telenovelas.

Pode-se concordar com o ponto de vista de David Foster Wallace ao analisar a questão do imenso poderio da televisão nos Estados Unidos: assomam um tanto insanas essas análises acadêmicas que tentam demonizá-la no atacado. Ou atacar os espectadores como um bando de voyeurs passivos e basbaques.

Por outra via, é preciso enxergá-la também desde uma certa distância. E talvez até para perceber que, não é de hoje, o sistema de imagens veiculado pela TV no Brasil, em sua própria forma – e inclusive pela ausência de uma política mais efetiva e eficaz de federalização e desmonopolização da produção, o que implicaria uma fissura em relação ao eixo São Paulo-Rio – vem merecendo uma visceral revisão.

Até para que a forma de apresentação da notícia seja renovada. E não tutelada, em uma das margens pelo infantilismo incongruente da MTV; ou por outra – e em razão muito mais forte – pelo tal padrão da Rede Globo. Ambas são fórmulas cansadas, macaqueadas ad infinitum na televisão dos demais estados. Não há uma maneira de nos assistirmos, sem nos assistirmos como meras cópias de um original proposto de forma tão monopolista? Pois até mesmo quem vê pouco televisão sabe quem o jornalista local está tomando como modelo. Tentando imitar.

Incomoda que a televisão brasileira - ou a imprensa escrita, seu reflexo - não se predisponha a uma renovação. Ou mesmo que essa renovação, que toca em tantos interesses estratégicos, tanta grana e tanto poder, seja tão pouco posta na berlinda. Mesmo nesses tempos, em que o advento da internet buliu com um bocado de coisas. Embora a própria internet já dê sinais de estar sendo "disciplinarizada" por essa espécie de imanência.



P.S. – Uma admirável exceção a esse estado de coisas, a essa telenovelização do jornalismo é o portal da BBC Brasil – que, de resto, sempre indica, saudavelmente, para o que saiu reportado sobre o país nos grandes jornais europeus ou norte-americanos. Que busca uma análise mais conjuntural, consequente. Longoprazeada. Ou pode se dar ao luxo de ter um cronista da verve de um Ivan Lessa.


*   *   *

Nenhum comentário:

Postar um comentário