terça-feira, 26 de outubro de 2010

Esse ar inquieto e ávido: Le Clézio

Elizabeth Catlett, Sharecropper [Meeiro], 1952





'E eux continuent à me regarder'


Les pauvres m'émeuvent. Quand je vois un de ces groupes de miséreux, enfoncés dans un recoin de porte, ou bien entassé sous une charrette, en haillons, la figure sale, le mains gercées, avec cet air inquiet et avide, avec ces yeux charbonnais, j'ai peur. Je sens remonter en moi toutes le vieilles angoisses de l'enfance. La peur du froid et de la faim, de l'inconnu, de la détresse physique. Je vois leurs corps amaigris, frileux, séniles, leurs bouches édentes, le tumeur qu'ils portent au cou, le verrues sur le joues, le vêtements râpeux, crottés, les papiers, le vin, les odeurs, le mégots, la poussière. Je voudrais qu'ils n'existent pas, ou qu'ils se lèvent soudain et se mettent à marcher joyeusement, comme si tout ça n'etait qu'une farce. Mais ils ne se relèvent jamais. Ils restent eux-mêmes. Et ma peur deviant un vertige, une fascination insuportable que me force à partir et an même temps à rester, qui m'attire et me repousse au même instant. Que faire pour eux? Qui sont-ils? Comment partager leurs souffrances? Et eux continuent à me regarder avec leurs yeux chassieux d'ivrognes, un ricanant un peu.

J.M.G. Le Clézio [L'extase matérielle © Éditions Gallimard, 1967]


'E eles continuam a me olhar'

Os pobres me comovem. Quando vejo um desses grupos de miseráveis, comprimidos em um recuo de porta, ou melhor amontoados sobre uma carroça em andrajos, o vulto sujo, as mãos rachadas, com esse ar inquieto e ávido, com seus olhos calcinados, tenho medo. Sinto repercorrer-me todas as velhas angústias da infância: o medo do frio e da fome, do desconhecido, do desconforto físico. Vejo seus corpos emagrecidos, friorentos, senis, suas bocas desdentadas, os tumores que portam ao pescoço, as verrugas sobre as bochechas, as vestes rotas, enlameadas, os papéis engordurados, o vinho, os odores, as baganas, a poeira. Meu desejo é o de que não existissem, ou que de súbito se erguessem e se pusessem a andar alegremente, como se tudo aquilo não fosse mais que uma farsa. Mas eles não se soerguem nunca. Permanecem eles mesmos. E meu medo converte-se em vertigem, uma insuportável fascinação que me força a partir e a ao mesmo tempo a ficar, que me lança e me repousa ao mesmo instante. Que fazer por eles? O que são? Como partilhar de suas agruras? E eles continuam a me olhar com seus olhos de ramela e embriaguez, com um entresorriso.

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