terça-feira, 7 de junho de 2011

Tão vasta no mapa que se confunde com ele

[s/i/c]

Serra das Confusões¹: duas opções de olho e uma mesma perda


Mesmo que pareça (note!) um desastre
Elizabeth Bishop

O olho. Há duas opções pare ele no caso. Ou estar a sair da luz que faz em Fortaleza, onze da manhã; e a entrar na treva de um dessas vilas pesqueiras, tipo Praia Nova, perto de Barra dos Remédios, à meia-noite de uma lua nova. (Uma treva furada apenas pelos latidos dos cachorros na esteira da madrugada). Ou o contrário disso.


Não deixa de ser uma imagem para como a gente enxerga em geral. No atacado, no saldão mesmo. Mesmo porque nunca que a gente enxerga no varejo. 


E então há os que alguma vez experimentaram uma grande perda. Vasta como o Jalapão. Tão plena de luz e dunas, espelhos d'água e serras de quartzo, que tudo cega à volta. Serra das Confusões. Tão vasta no mapa que se funde com ele. Converte-se no mapa mesmo. E a rotina da felicidade – a verdadeira, a selvagem, a que mora como um jaguar na menina dos olhos – parece tão amortecida. E não passa mesmo de um pequeno istmo sem nome ou latitude. Onde ninguém vai. Ou para lá há pacotes turísticos nas férias da consciência. Não conta na geografia das semanas. Assim que nem a menor sombra dessa perda nos assombra. Feito sofrêssemos de uma variedade de Alzheimer. E ao passarmos pelos aposentos mais recônditos da alma - os porões, os sótãos - ainda que tropeçássemos nessa perda, dela não daríamos conta. O preço de preservar-se de sofrer fala mais alto. E há a necessidade de manter a qualidade de vida e ansiolíticos para graus diversos. Os usuais paliativos possíveis ao alcance da mão. Sempre dispostos a entregar um pouco de módico prazer. Do tipo necessário à garantia da invisibilidade de qualquer vestígio. Feito aqueles contratos de telefonia móvel, onde há em anexo cláusulas vitais em letras formigais. Impossível ver sinais dessa perda ao redor: no fone de ouvidos sobre a mesa, na casca de banana, na marca d'água dos selos, nas teclas que se pressiona quase em piloto automático, na página do livro deixada para trás com uma anotação de próprio punho onde foi escrito em código, de trás para diante, as fórmulas da lembrança, da superação, da felicidade.

E uma vida vai. O olho inda não clica.

¹Fica no Piauí. Fui até lá em abril passado. Na primeira viagem que fiz de motocicleta. E, como sempre, nos últimos tempos não levei uma câmera comigo. Para não manchar a imagem que formaria dela. Depois.

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