quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Bucha de canhão para teses

[s/i/c]


O Cordel, esse artifício turístico

Durante anos o cordel foi essa bucha de canhão para teses.

O cordel estava fadado a morrer. Não há nada de errado nisso. Há um ciclo que se fecha na espiral, para lembrar de Vico. Sua fonte era a narrativa oral, densa, assentada em esquemas mnemônicos que já não há.

Da narrativa oral só restaram minúsculos cacos, cinzas ou uma forma parcial, bastante híbrida, que detem algum débil empréstimo da tradição popular mas muito mais de rádio, de TV, de internet, do previsível jargão das associações comunitárias. Gente que andou coletando essas gestas populares, já faz tempo, como Sílvio Romero, Gustavo Barroso, Leonardo Mota, Mário de Andrade ou Câmara Cascudo sabia que essa morte seria iminente. Ou a pressentia.

Há formas que se extinguem simplesmente porque desaparecem os contextos sociais em que surgiram. E, claro, tentar perpetuar as formas sem os contextos é equívoco. É bisonho. É onde o movimento armorial, por exemplo, mostra sua face menos convidativa.

Vão dizer que a literatura de cordel está viva, que passa bem, etc. O que está vivo e passa bem não são os cantadores populares iletrados ou semi-letrados, nômades ou semi-nômades, que cantavam em feiras, nos terreiros de fazendas ou acompanhando comitivas. E cujas redondilhas constituíam uma das raras opções de lazer na escuridão da noite. Estes desapareceram. E porque já não há comitivas; as feiras não passam perto do que eram até meados do séc. XX; e há eletricidade, televisão e internet no cafundó mais cafundó do Judas. O que há, de momento, é muito mais uma espetáculo para turista ver.

O fato, aliás, de se alardear a todo instante que o cordel foi matéria de estudo na Sorbonne é infame. E menos para a Sorbonne.

O que também precipitou a morte do cantador popular e a tornou ainda mais inglória foi sua folclorização pela academia. Ou indo adiante, a absorção da cultura popular por programas ou subvenções do tipo Mestres da Cultura. A não ser que sejam extremamente bem conduzidas, intervenções dessa ordem costumam ser desastrosas, verdadeiras Guerras de Canudos ou estação de caça ao imaginário popular.


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