quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O Mais Esperto Comunista

Susan Rothenberg, 1976


Fuga em dó maior para imprensa e cavaquinho

Sem barganha, chantagem, investimento em reportagem investigativa, custosa, de risco. Uma pauta como pede o figurino. E, ao invés disso, jovens e talentosos jornalistas, como Daniel Piza, é que se vão. E o velhinho ali, firme. O sorriso do velhinho rende-lhe centros culturais nas Astúrias e um bocado de dividendos. Outros de esquerda, que passaram terríveis  apertos não  ousariam sonhar com o glamour de sua vida, entre presidentes, politicos influentes, ditadores, ministros, executivos de transnacionais e uma proverbial abundância de mulheres bonitas. Inspirado numa vida assim há certo filme em que Jean Paul Belmondo faz o papel dele: O Homem do Rio. Há anos os necrológios perseguem Niemeyer como galgos. E farejam-no o corpo franzino por todos os poros, resfriados, internações, vesículas, boletins. Eles já estão meio pra fora das gavetas, dos arquivos feito língua de sogra. Que estão prontos há anos faltando só a causa mortis, todo mundo sabe. Mais que prontos. Já passaram um pouquinho do ponto como um abacaxi roído pelo calor de janeiro. E nada. Em 2009, grande esperança, o decano foi hospitalizado às pressas. Desse mato sai cachorro, apostaram as editorias.  Certo amigo me escreveu de São Paulo solicitando um artigo para ontem. Qual o quê, alarme falso. Mais falso que certos implantes de silicone ou o amplo conhecimento náutico do comandante Francesco Schettino. Era apenas um problema de vesícula. O velhinho, por birra decerto, até casou uns cinco anos atrás. Um século e quatro anos. Oscar Ribeiro de Almeida tinha sete anos ao tempo da Primeira Guerra. Quando veio a Semana de Arte, bem podia tê-la assistido, do alto de sua adolescência. Para a imprensa, ah, como seria providencial que o último modernista, o derradeiro daquela estirpe de intelectuais monopolistas e mercuriais, que praticamente reinventaram o país, morresse nesta calmaria pré-carnavalesca. É todo o assunto que os jornais e os portais desejam: luto, revisão da biografia, imensas fotos, longos vídeos com os palácios de Brasília, a Pampulha, o Copan, o prédio do Ministério da Educação e Saúde, O edifício da Onu, a Sede do Libération; e para adiante, mundo afora, muitos croquis depois. Seria uma pauta e tanto. Pauta merca. Comprada a peso de nada. Sonho dourado dos editores da vez. Fora de dúvida e até nisso de morrer, Niemeyer é o comunista mais esperto que já existiu. Carioca, ele tem uma voz dengosa, de mineiro. E uma matreirice mais que mineira, mineral, que dá de dez na malandragem do Rio. Aos 104 anos, dizem que ainda vai trabalhar. Não é certo se chega a debruçar-se sobre a prancheta e extrair esboços como um recém-formado. Mas os amigos dizem que reserva um tempo ao fim da tarde para tomar seu malte, fumar um puro, e contemplar as meninas nas areias de Copacabana. Vai nisso uma receita?


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