sábado, 28 de abril de 2012

De Sermos Numerosos




De Sermos (Mais) Numerosos (Que Nunca)

os rostos em torno dos nossos rostos eram a fiança de que os nossos rostos também tinha uma feição coletiva. E porque havia limiares, o mundo era uma aventura sem fim. Nós víamos nesses rostos as marcas dos nossos. E vice-versa. Íamos nos acostumando com eles no dia a dia. No trabalho. Em casa. Na escola. De passagem ou doucement. Tecíamos relações de correspondência ou estranhamento. O nariz empinado de Clara nas grandes olheiras de Joel. Guizo de serpente entre os dentes de Estêvão na testa franzida de Aline. A anedota do pai nos lábios da filha. Ruga ou riso neles respingava nos nossos. Olhávamos água ou espelho, e víamos os outros
era nossa forma de rede, teia para feixes de olhar 
e dava-se o fade. havia um fechamento de perspectiva. Série finita. O mundo acabava no fim do bairro dos gestos. Na família grande passando férias na chácara. O resto nos era dado imaginar. E por isso imaginávamos forte. 
mas antes, claro, víamos expressões e fisionomias que, de certo modo, eram nossas expressões e nossas fisionomias nos demais. Agudamente. E esse constante remascaramento, mutação. Conversávamos com os demais sem câmeras, caracteres, fones. Havia um elo impressentido entre eles e nós
hoje, entramos na rede, e há milhões de rostos à disposição. Uma arte em mostruário. Uma mostruariedade. Fotos em fichas, como nos arquivos da polícia, se for gosto ou caso. E virtuais vítimas ao alcance dos que matam em série. E, depois de um tempo, em que vimos alguns desses rostos - e eles parecem pôr o nosso a perder - pode-se propor a áspera pergunta: daria ao menos tempo de ver o rosto de cada um dos sete bilhões? 

não haveria tempo a perder, se fosse estipulado que seu neto ou bisneto terminasse a tarefa. provavelmente seria necessário gastar várias vidas nesse árduo encargo. E só por alguns segundos poderíamos ver cada rosto. (Esqueça falar) E, porém, ao invés dos antigos impressentimento e vínculo, restaria apenas tédio.

essa sensação de que a vida não vale a pena sete vezes sete bilhões de vezes.

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