segunda-feira, 28 de maio de 2012

Não escrevo para ser lido: Cinema e Escrita I




Escrita, escrita em blog & um pouco de cinema

A CONSTRUÇÃO DA IDEIA POR INTERMEIO DA BLOG-ESCRITURA: LABILIDADE. PROVISORIEDADE. ENSAIO².
Bem entendido, eu não escrevo para ser lido.
Sou mais ambicioso. Escrevo para ser relido. Pretendo um texto que, como uma foto, não guarde ponto final. Mas prossiga aberto pela fecundidade da ideia. Se há um mínimo sentido para o que Eco denomina 'obra aberta', deve ser esse. E contra vários outros motivos, menores, ignóbeis, desprezíveis que o próprio Eco propõe. E isso muito obviamente não quer dizer que queira escrever textos sem uma conclusão. Não. Quero escrever textos conclusivos. O mais possível. E exatamente por isso extramente revisáveis até determinado ponto.
Se alguém leu, por exemplo, o texto sobre Peckinpah (postagem abaixo) anteontem - quando ainda era esboço - vai perceber que se encontra um bocado diferente – e inclusive mais extenso. 
Isso ocorre a três por quatro, por aqui. E deve ser visto como método. Como método facultado pelo meio blog. (E especialmente nos textos mais extensos, mas não só.) E porém poucos que passam por aqui, como a Fernanda ou a Mariana, notam isso. E, quando dispõem de pouco tempo, a astúcia delas as leva a optar por ler o texto uns cinco dias ou uma semana depois de publicados. Elas já perceberam que os textos postados aqui “mutam” um bocado, "flutuam" um bocado. Quer dizer, erram por algum tempo antes de chegar a  certo grau de estabilidade. A publicação em blog permite essa “mutância” e essa "flutuação". E isso pode gerar experimentos sintáticos e muitos jogos, além de supressões ou acréscimos.
E, não obstante, há um momento de arrefecer, estabilizar a espiral; e, mesmo num texto escancarado às mutações e às flutuações, é também o tempo de cessar  de modificar-se, de girar-se, de caleidoscopar-se, de (a)girassolar-se. Assim como uma foto não comporta ser limitada, em sua unicidade, por mais de um enquadramento. [E, aqui, o problema vem a ser quando(?) ou ser quadro(?) - uma vez que as possibilidades de revisão e edição são avassaladoramente mais acessíveis que no meio impresso]. É por isso que escrever um ensaio num contexto de blogue é sempre fazê-lo elevado à segunda potência. E, ainda assim, há um momento em que aparentemente essa gana revisionista esgota. E, quando menos se espera, o texto está PRONTO. 
Quer dizer, um critério de limiar parece impor-se, a despeito da gente ou das facilidades facultadas. Uma fluidez que surge da repetição, e percorre o texto inteiro. E é só aí que o texto ganha uma nota pedal, uma forma, um ritmo, que o aproxima de uma vieira ou de uma concha – de um objeto firme (ainda quando cartilaginoso) que, enfim, escuta. E escuta ao mesmo tempo que diz,¹ e gira o assunto, de tal forma, que ele pode ser visto de diversas perspectivas. 
Quando há uma forma por apêndice, pouco importa se há ou não um corpo colado a essa forma (ao modo de uma orelha, mas não de um búzio); o importante é pensar algo assim, enregelhado, com propensões côncavas, auditivas, receptoras no sentido radiofônico da coisa. Um sentido radiofônico que, quando transposto para o impresso, remete a alguém que é primeiramente um leitor, ainda quando escreve.
No búzio, o rumor do mar, o marulho, está lá dentro, mesmo sem uma cabeça para ouvi-lo, para complementar a audição. O búzio é como se fosse uma orelha avulsa, um fragmento de corpo, um aparato. E é aí, nesses gelhos, dobras e informidades provisórias - que se encontram, de passagem e na verdade, as mais sedimentares das formas - que o texto encontra sua solução. Seus motivos de permanência. Como se tivesse sido esculpido - sedimentar e pacientemente - seguindo os mesmos moldes da misteriosa simetria que se encontra num búzio. Nas suas dobras, estrias.
E, bem entendido, não se acha apenas citando teorias, que, no fim de tudo, são intransponíveis para nossas latitudes, climas, realidades sem os devidos anamorfoses, deformações, adaptações, mutâncias, descontos, etc. Pois é preciso antes que celebrar essas teorias por sua universalidade, perceber o que nelas há de parcial e violenta pre-potência. E, então, é preciso antes escamá-las das camadas de clichês, comuns lugares, estereotipias e chavões, por meio dos quais um suposto centro visa uma suposta periferia. A recusa da periferia em ser periferia é que pode ser mais astuciosa. Porque pelo excesso de história a ser conhecida, coletada, atravessada, quem está na suposta periferia acaba conhecendo mais do mundo total e, logo do mundo de que quem se encontra apenas no suposto centro. O itinerário percorrido é, em sua largada mesma, mais extenso, desafiador. E é como que duplicado.
A questão não é pouca. Alguns produzem textos, filmes, poemas, canções. Mas não mantém em paralelo uma escrita sobre esses textos, filmes, canções, etc. Uma escrita que chegue à flor d'água com boa flutuabilidade ou potencial de mutância, absorbilidade. Há um usual e flagrante desnível entre a obra em si e o comentário sobre ela. Atualmente não há um só realizador brasileiro que trame em paralelo uma escrita sobre seus filmes (ou sobre o cinema em geral) que seja instigante. Ou reveladora. Ou ímpar. Ou indispensável.²
Suplementar em riqueza e soluções.
E, de outro modo, todos abrem a boca para citar a rodo.
Mas mesmo quando se é Benjamin, nem só de citações vive o homem. Imagine quando não se é.
*
MOVIMENTO E IMPREVISIBILIDADE
É necessário forjar oásis antes que o deserto chegue. Como um bom líbero ou zagueiro é capaz de antecipar. Até mesmo os movimentos de Neymar. A imagem compraz: a projeção, o ponto-futuro. O que se produz depois ou antes daquilo que se cria por intuição só é fértil como oásis, se o movimento, o acto de criação escapar - ainda que nas últimas, na bacia das almas - à possibilidade de previsão. 
Por mais empenho que se bote nessa previsão. 

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¹E, aqui, escutar ao mesmo tempo que dizer não significa uma reivindicação de interação entre autor/leitor. Nos moldes em que está proposta, essa interação é uma perfídia. Um atentado ao bom-senso e a certa gentileza de modos. Ao menos do modo como se dá essa interação nas pavorosas caixas de comentário rede afora. Essas caixas constituem uma nova modalidade de folhetim. Quer dizer, uma boa parcela de leitores, ao modo de voyeurs, ocupam-se mais com essa relação um pouco estúpida e análoga à de um Big Brother literário entre autor/leitor do que com o texto em si, como algo autônomo, visado como independente até de uma autoria. Um autor, por mais "seguidores" ou comentários que detenha em suas caixas, há de notar que esses comentários são rasos ou pueris. Já nascem obsoletos, superficiais. Ou assomam marcados por certa gabolice, prosápia. Ou seguem alinhavados por jactância, vanglória. Não raro, semelham interjeições. São interjecionais - como os palavrões que soltamos desde as tribunas, nos estádios (virtuais ou não). E, logo, o autor deve treinar-se, adestrar-se, deve estar no ponto para divisar as excepções a esse estado de coisas. Até porque essas excepções costumam ser cortantes, brilhantes demais para passarem sem a sua profunda atenção. Mas também costumam ser mais discretas, e desviar-se para canais menos públicos.
²Verdade, os melhores não precisam disso. Ou melhor posto: prescindem disso.

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