sexta-feira, 29 de junho de 2012

"Em sociedade tudo se soube"



Olho vivo¹ quando uma mulher deixar de rir a seu lado!

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¹Quando se diz a expressão “olho vivo” não há como não lembrar de dois ícones geracionais. Um é José Rangel (que, no caso, reverberava Ibrahim Sued. Que fim terá levado José Rangel?). O outro é Faro Fino. E especialmente Faro Fino ao se dirigir a Olho Vivo num dos melhores cartoons (Snooper and Blabber) de Hannah-Barbera, devidamente filtrado por uma dublagem de sonho, que fez escola na televisão brasileira.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Mulheres Nunca



fora da área ou de hora, fixava um pouco o teto, um pouco as prateleiras mais altas, o cotovelo esquerdo a amparar a falta de lastro do banco alto, as torneadas pernas a escorrer abaixo, o vestido plissado. como fazer? as pás do ventilador a raspar pratas na penumbra. a prorrogação assomava, inevitável. a coisa toda é tão mais fácil quando não entra coração. mas quem falhar o primeiro pênalti vai ser crucificado pela torcida, quer apostar? e entra aquele travo de cajá, que amarga na boca das mulheres. daquelas, princesa, que julgávamos longe de melhores. as que a gente desprezou. e o juiz marcou fora da área.
homens ainda perdoam.

mulheres nunca.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

audiência e juízo



os analistas da bolsa ocupavam-se de certa oscilação maior do pregão. os evangélicos reuniam-se em torno de um festival gospel. os gays preparavam a parada de orgulho. e os héteros falavam mal dos gays. as modelos passavam fome ao nosso lado, mas já tinham alguma vaidade. os carnavalescos suavam em julho, a prever incêndios, pragas, contratempos até quando o carnaval. micaretas prosseguiam abadanando[1] noites. a criança em alguns comia pipocas na manteiga. os tuiteiros mediam fórmulas de ganhar mais seguidores. e os seguidores sorriam amarelo derretido, como barras de manteiga fora do freezer. mas então, eu vi: um anão ruivo - com gaita de foles, kilt e tudo de direito - entrou no boteco e contou, um a um, toda a gente que assistia aos pênaltis da final e ao juízo. agora já sabemos qual a metodologia da pesquisa: 

eles empregam anões escoceses.

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[1] Não é gralha, o verbo acabou de ser criado abadanar - vestir abadá, cobrir com abadar.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Das ideias de começo


 Juan Miró

quando penso no carinho com que guardava minha edição de Mais Provençais, cuidando para não amassar as pontas entre os outros livros. Era feito trazer de cor certos números na caderneta, e uma linha escrita de próprio punho. E, então, olhá-la à distância, naquele fio onde vão tesão e metafísica. O livro branco, a iluminura. Era raro ter versos assim em casa. E bem vertidos. Estar começando uma biblioteca era o mesmo que estar começando, sem mais. Era diferente de hoje, passado em alho e cascas. De ter a biblioteca de Alexandria aos pés, implorando, feito Anita na Fontana di Trevi, e não ter a mínima ideia de por onde começar.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Melodia a régua e esquadro: as sanidades de São Paulo


Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Fau-Usp), São Paulo

Quando chegou a vez, achei o Rio de uma beleza fácil e carcomida. Pois, de outro modo, o Rio ainda é o mesmo mar do Nordeste. Só que menos atraente, apesar das montanhas e certo efeito pirotécnico o tempo inteiro, não só na Passagem de Ano. A sensação de o cartão-postal não dar descanso. E a fealdade das favelas roendo os morros. A mim sempre me impressionou mais São Paulo. Sua beleza áspera e arquitetura moderna, de um classicismo ressaltado, equilibrando-se sobre pilotis. Certa visão diáfana de um futuro do passado, como num condomínio de Vilanova Artigas, em Higienópolis. Ou o quanto o Conjunto Nacional, com sua praça interior, cita - de forma  adequada, inopinada - os mercados e feiras do Nordeste. A promessa de calor na fria impessoalidade dos espaços. E se está melhor num boteco debruçado sobre a Paulista ou na balada de Vila Madalena, no inverno, que em Copacabana. O Rio é chafurdo tão gostoso quanto raso. É-se amigo de todos logo, animadamente. Mas só por umas horas. Em São Paulo há mais prazos para antes e depois. O silêncio surge um pouco mais. E nele se esconde um naco de pouso e insuspeitado passado. A chuva fina borrifando esquinas. Possibilidades de estudo. Às vezes, quebradas pelos raios das grandes tempestades de verão abatendo-se sobre os vales, onde a metrópole e a quitanda se misturam. A fascinante franja entre o que é do bairro e do país. Circular anônimo pela Pompeia. E almoçar contemplando a Igeja de São João Vianey. A distância recente no traço das pessoas. E o tanto que elas se parecem nas suas diferenças. A migração segue por todos e tudo. Na pressa de tudo. Até no fato de se ir para o mar pela serra a toda, sem tempo de ver paisagem. E a serra mergulhar no mar depois daqueles elevados fantásticos, que parecem o desdobrar da cidade no rumo do oceano. E os ipês, os manacás, as quaresmeiras em flor no meio da mata. Ou imaginar os padres da Companhia escalando aqueles despenhadeiros e grotas, no muque, cinco séculos antes. Ou a gente estar sempre a dirigir um conversível, não obstante o teto, quando se vai a Ilhabela ou Cambury. E, assim, as tais curvas da Estrada de Santos, mais presentes em São Paulo que no Rio, onde elas de fato estão.

Esse negócio de escolher entre São Paulo e Rio é uma espécie de dialética. E há compensações à beira-mar ou na montanha. Mas parece meio inevitável que a gente se decida por uma das premissas.
*
Recentemente, meio por acaso - se há acasos e não constelações na Tia Nete - vi um curta, de minutos poucos, sobre São Paulo, cuja elegância, simplicidade, ritmo, escolhas, chamam a atenção: 
 [o filme dura 3min52s, é precedido por um comercial de 21s, e põe em quadro uma pequena amostra da melodia de régua e esquadro que destila algumas das (raras) sanidades de Sampa]

domingo, 24 de junho de 2012

A misteriosa beleza do corriqueiro: Hugo Williams


/sic/

Nothing in Particular


What do I miss?

I'll tell you what I miss -

the sun coming up,

colour starting,

a sort of yellow dust

or luminous moss

gathering round the edges

of table and chair,

some average morning

when an upstairs window

catches the sun

and a young woman

turns back into a room.

A telephone rings

and once again she clears her throat.

Nothing in particular,

words, desires,

the slightest intention

translated into action,

the chain of command

taking shape in the mind

according to logic and reason,

a tree coming into leaf,

our reward in heaven.


Hugo Williams



Nada em Particular


Do que sinto falta?

vou lhe dizer do quê-

do nascer do sol,

as cores a estrear,

uma pátina ouro

ou ágata-luminescente

juntando-se em torno das bordas

da mesa e da cadeira,

numa qualquer manhã,

em que a janela de um sótão

colhe o sol

e a jovem mulher

afasta-se para dentro.

O telefone toca

e ela de novo limpa a garganta.

Nada em particular,

palavras, quereres,

a intenção mais vaga

tornada ação,

a cadeia do conhecimento

ganhando forma na mente

segundo lógica e razão,

uma árvore recobrando as folhas,

nosso prêmio no paraíso.


Dois sinais na perna esquerda de um n caído para a esquerda


A Promenade, o calçadão à beira-mar em Split

A Placa (ou Stradun), emDubrovnik, pérola do Adriático

Duas cidades na Dalmácia concluídas numa frase 
Oliveira, vinha, montanha, mar: o litoral mais belo da Europa

A Croácia é um N em direção ao Noroeste. A perna esquerda desse N caído segue, por sinal, roída. Ou foi mal apagada: desfaz-se em farelos. Esses farelos estão na água: são ilhas. Elas são mais de mil. Perto de uma dessas ilhas está Split, na costa da Dalmácia. Perto de outra, Dubrovnik [os croatas pronunciam proparoxitando: Dúbrovnik].

Split, que é a maior cidade da Dalmácia, vem de um colônia grega, Spalatos. Mas seu núcleo central remete a um palácio mandado erguer pelo Imperador Diocleciano, no séc. IV d.C. Hoje em dia, dentro do que foi esse palácio erguem-se cafés, lojas e até a catedral da cidade. A baía é um mimo. E a avenida peonal à beira dela, a Promenade, um projeto exemplar. Essas cidades guardam algo de uma escala urbana que desconhecemos. Quer dizer, onde há muita urbanidade dentro de pouca área e ao longo de toda ela. É uma concentração de serviços uniforme, inversa ao de nossas metrópoles imensas, caóticas, desiguais.
Split não conta com mais de 800.000 habitantes. Mas isso na conurbação. A cidade em si é muito menor. E, contudo, há museus e boa arquitetura para o lado em que se teimar ir. E para qualquer lado onde se vá, montanhas suaves metidas em entradas de banho. A colina mais alta, junto ao porto, chama-se Marjane. E há essa canção, muito popular entre os partisans iugoslavos da Segunda Guerra, que é cantada até hoje: "Marjane, Marjane".
Num enclave, 230 km mais ao sul, vem o clímax: Dubrovinik, a Pérola do Adriático. É não menos conhecida pelos antigos como Ragusa, cidade-estado satelizada por Veneza, mas que chegou a competir com a metrópole à época em que a rota das especiarias fazia a glória do Mediterrâneo.
Pela força de sua astúcia, Ragusa sobreviveu séculos entre grandes potências - como a República de Veneza, o Império Otomano ou o Império Austro-Húngaro. Seu corpo diplomático fez história. Fortunas cumularam-se nos porões. Dubrovinik recebeu um considerável contingente de judeus portugueses no sec. XVI. A sinagoga – que é ainda referida por “sinagoga” (como em Amsterdã ainda há a “esnoga”) - guarda referências dessa migração sefardí. E Dubrovnik, apesar de haver sido destruída por um terremoto no sec. XVI e atingida por bombardeios na Guerra de Independência (1992), constitui um dos mais orgânicos e admiráveis exemplos de cidade medieval murada, na Europa.
Com não mais de 50.000 habitantes, a pequena cidade – que, não obstante, é servida por um aeroporto internacional - triplica de população no verão, quando é literalmente tomada de assalto por alemães, italianos e ingleses, sedentos pelo sol, pelas praias esplêndidas - de seixos ao fundo e água cristalina.
A Placa (ou Stradun), como é conhecida a rua principal da cidadela, em Dubrovinik, não tem mais de três quarteirões. Porém constantemente palmilhados por hordas e hordas de turistas, a ponto de haverem polido as pedras calcárias que revestem o leito da rua. Toda a parte antiga é vedada à circulação de veículos. De um lado das muralhas, barcos e iates oscilam suave na calma baía. No oposto - pois a cidadela ocupa uma pequena península - as ondas quebram violentamente contra as muralhas que escalam os arrecifes. Adiante há ilhas alflorando no mar. E montanhas do lado do continente, por onde também se espalha a zona mais moderna da cidade. Alguém bem-humorado, certamente visando a combinação entre montanha, mar e outras formas rotundas, rebatizou uma das praias circunvizinhas de Copacabana.
Mas, se falta algo da alegre solaridade tropical do Rio a essas praias recortadas e crespas - como decerto sobra algo ao risco comportado do biquíni das garotas locais - a paisagem ao longo do litoral de Split e Dubrovinik, estendendo-se até a Baía de Kotor, já em Montenegro, com suas ilhas, enseadas, istmos, golfos, canais, angras, estreitos e penínsulas, sitiados por montanhas e dominados por antigas cidadelas medievais - onde sobressaem e sobrepassam-se torres e campanários (ou ainda ruínas romanas e gregas) - é de descoser a tênue linha entre sonho e vigília, quando o sol é suave; seja ao fim da tarde, seja principalmente ao amanhecer, que acerca as praias desde a silhueta das colinas.


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Nota - havia lido muitos tuítos ao longo da tarde deste sábado, ao mesmo tempo em que dava uma espiada no jogo da Eurocopa (Espanha 2x0 França). Aí, cansado do tanto de esforço - de resto inútil - que as pessoas fazem para soarem lapidares, epigramáticas no Twitter, veio essa necessidade de escrever um texto em que pudesse jogar o pensamento numa frase longa. Como a última do texto acima, que ocupa um parágrafo inteiro. Pois as pessoas parecem esquecer que mesmo o estilo conciso, quando jogado de qualquer jeito (ou seja, quando mal jogado), apenas aborrece. E que escritores como W. G. Sebald esticam-se por períodos que seguem por páginas e mais páginas. E é o que há de delicioso, por exemplo, quando se lê um desses cronistas do Quinhentos. As frases parecem não ter fim. E, logo, não fazer sentido. Mas, do contrário, fazem muito. Fazem todo. E o que não faz sentido é nossa incapacidade de perceber e acompanhar o sentido de uma frase longa e bem lastrada. Isso compele. E nos leva adiante. E talvez seja uma maneira de lembrar - numa feição análoga, aliás, aos planos-sequências de Bela Tarr - que a frase curta é apenas um dos veículos da elegância e da concisão. E que essa mesma concisão e essa idêntica elegância podem ser atingidas por frases que parecem não ter fim. Quer dizer, não é o tamanho da frase o que determina a concisão e a elegância. Mas o ritmo dela. Seu modo de dispor-se. Sua disposição. Sua relação com as outras frases e a totalidade do texto. Eis porque cansa ler textos jornalísticos hoje em dia. Eles estão tão vendidos à necessidade da inteligibilidade, da economia de tempo e espaço, da exatidão, à serviço da informação e da comunicação mais rasteiras e imediatas, que não há mais lugar algum para o calor de um pensamento menos entregue à venda. Mais misterioso, místico, intuitivo. Mais sinestésico. Perto do coração selvagem. 

sábado, 23 de junho de 2012

Um extrato de too much a sobreviver na memória dos outros


Ser um cabeça-de-vento 
-viver no mundo da lua, luftmenschar-(se), saber bem exilar-se de onde canta o sabiá

do admirável ensaio de Flusser sobre “Exílio e Criatividade”, a seguinte passagem, aspas: 

o expulso é gente desenraizada que busca desenraizar tudo em volta, para poder enraizar-se. E age assim espontaneamente, simplesmente porque foi expulso. É quase um processo vegetal. Quiçá seja possível observar isso quando se transplantam árvores; e que talvez a dignidade humana resida em não ter raízes – que um homem primeiro se torna um ser humano quando ele arranca as raízes que o prendem. Em alemão há um termo deplorável, Luftmensch, um homem descuidado “com sua cabeça no vento”. O expulso talvez descubra que vento e espírito são termos intimamente relacionados e que, portanto, Luftmensch signifa essencialmente ser humano

fecha aspas. Sim. Pedra que muito se muda. Mas o cabeça-de-vento (Luftmensch) -ou vulgo sem-chão (bodenlos) - de Flusser habita por excelência a utopia. De outro modo é notável como essa forma de pensar dialoga diretamente com a Simone Weil de O Enraizamento. Ou seja, que já na década de 40 essa autora, também judia como Flusser, também deslocada e assimilada culturalmente como ele - ou até mais, por haver se convertido ao cristianismo - já tenha divisado que a questão do enraizamento - que envolve a do migrante e a do exílio - é uma das questões sem qual, nós, na modernidade pós-industrial, não caminharemos se não pensarmos nela. 

e não pensaremos nela, se não caminharmos 

O inferno e os outros




Na Eco 92 havia 4,5 bilhões de humanos. Hoje há 6 bilhões. Se o inferno são os outros, então o mundo está mais infernal?

Não. O inferno os outros não são. Está mais é dentro de cada um.

Fora, há um mundo com soluções a mais. (O que não nos exime de pensar a questão demográfica, a finitude dos recursos).


sexta-feira, 22 de junho de 2012

Toda generosidade

Ron Muek, 2009

Toda generosidade é profundamente interesseira e injusta, a não ser a que é dada sem nada de volta e, logo, nunca se propõe como generosa. Tampouco como dádiva. Ou seja, aquela que se fez mas até já sumiu de memória. E, logo, não se sabe feita; e sem registros, atingiu seu nível ideal. A que sabe de antemão que qualquer forma de retribuição passa mais por comércio. Por clientela. Interesse. Por tomar com uma mão o que se deu com outra. Pela cordialidade tão brasileira e à espera de retribuição quanto a cadela arfando, jogando saliva pela sala, aguarda os biscoitinhos. 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Só em cores


Stuart Hills


Achei engenhoso o modo como você reproduziu certa postagem em seu blogue um tempo atrás, mas mantendo aquele padrão de títulos duplicados que vogou por aqui durante largo trecho - mas já não ocorria no texto em questão. Esclareço. Havia um desejo de exceder. E passar para uma série em que - sobretudo em posts pequenos, mais ou menos ficcionais - a última frase soasse forte. E funcionasse como o eco do título, que anteriormente era duplicado próximo ao corpo do texto, numa espécie de paráfrase. Porque se dirige à forma deles, percebi a extraordinária atenção que você dedica aos meus textos. E que essa atenção segue, de fato, alerta. Porque se dirige à forma deles. Outros só vêem em cores o que é preto e branco.
Só em cores.


Numa espécie de paráfrase.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Branca de Neve é bicho


"Não é bicho não, Arthur. É uma moça. Uma pixota. Uma mocinha. É como a Deusedite". 

"Nietzsche não ia gostar dela. Porque ela seria a impossibilidade do Super Homem"

Um dia Arthur entendeu que Branca de Neve era bicho.
-Não é bicho não, Arthur. É uma moça. Uma pixota. Uma mocinha. É como a Deusedite. Bicho, não é não – disse o Jogador de Damas.
-É bicho, sim. É coisa dos Grimm. Mas foi o Disney que deu um mundo pra ela. E lá, os ratos, cavalos e patos falam. Se vestem, ganham dinheiro, sentam à mesa. E é porque os humanos é que são bichos. Inclusive quem faz uma maldade dessas com eles: gente falar com esquilo. Ou cavalos tanger cavalos. E além disso, vivem prendendo os pobres dos Metralhas, que são as únicas criaturas decentes naquela curriola toda.
Isso fora um pouco além da conta para o Jogador de Damas, que não só não gostava, não entendia, como desconfiava de paradoxos. E, então, voltou ao estudo da próxima jogada, no tabuleiro junto aos rolos de fumo. Mas não sem antes largar um:
-Todomundo acha a Branca de Neve linda de morrer.
-Só pode – retrucou Arthur - ao redor dela só tinha bruxas e anões! Eu prefiro a Rainha Má. Mas onde eu quero chegar, Jô, é na prova de que além de ser uma anã moral, Branca de Neve era de fato bicho. Nietzsche não ia gostar dela. Nem um pouco. Porque ela seria paradoxalmente a impossibilidade do Superhomem.
-Agora, você misturou tudo. Disney, os clássicos Marvel...
-Você também acha que ela é uma ameaça à ideia da pós-história?
Mas a essa altura, o Jogador de Damas já quedava completamente entretido no estudo da próxima jogada. O Terceiro Excluído ainda não tinha chegado. O Álisson fora comprar cocaína. E, logo, Arthur viu-se ainda mais desesperado, porque não tinha com quem partilhar aquele utilíssimo insight. Nem mesmo com o Narrador, que fora passar uns dias de licença prêmio na Praia do Discurso Indireto Livre, ali perto de Morro Branco. 
Agora, sim, Arthur achava que tinha chegado a algo grande. Uma dedução que provavelmente seria um divisor de águas conceitual na vida da comunidade:

-Branca de Neve é bicho.

domingo, 17 de junho de 2012

Escrever Ensaios ou A Arte da Ressalva


James Whitney

escrever ensaios, destemer a descida aos detalhes

não se pode falar de detalhes sem abdicar de uma visão panorâmica, totalizante, diagrama

para chegar ao detalhe, é preciso divisá-lo, individuá-lo, de alguma forma, dentro de algo maior. Para chegar ao close, é necessário, antes, o close inserido no plano geral. (Meio por acaso?)

planos gerais parecem algo rude, grosseiro no mundo dos detalhes em que vivemos

escrever ensaios é, então, ressalvar que o detalhe é assim, mas nem sempre assim. Também, por vezes, é assado. 


E, logo, só parcialmente assim, etc.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Corresponder, coincidir



Pessoas têm o desejo que um punhado de letras traduza uma complexidade, uma barafunda de sentimentos, sensações, condições e estados de espírito que são elas próprias. Que resgate, de algum modo, o que já esteve lá, escrito nas estrelas. Como fosse possível alguma correspondência. Ou uma caligrafia estelar, constelacional, que se pudesse reproduzir na ponta do lápis. Ou, mais adiante, coincidir com vida. Assim, sem mais.

Mas o que corresponde tem três dimensões e é, no mínimo, do reino animal: cachorro, golfinho, celenterado, formiga. E o que coincide não tem olhos para fora de si. Jamais poderia ver a coincidência mesma, ficando para sempre aprisionado nela, de nascença. Pois coincidências e prisões têm o mesmo termo em latim no nome científico. São primas e já se amaram. Armaram poucas e boas. Arapucas. E nenhuma janela para fora. Só um terceiro excluído pode vê-las, imigrante e solitário que é. 


Imigrantes e solitárias que são, não se deixam ver à auto-suficiência. Mas então há essa necessidade tão violenta de espelho, que letras despertam lágrimas. E não por serem parecidas com pessoas. Não há imagem para discussão. Mas por saciarem nelas o desejo de se acharem parecidas tout court. De se acharem parecidas com paus e pedras. Marés e rios. A corda si, o naipe de copas, o Pico da Bandeira. Abóbadas, funâmbulos, sextas-feiras e o alfabeto cirílico. 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Poliedro de coisas


Gretche Kelly

Olhou para o rosto dela vinte anos depois, viu um poliedro de coisas. Havia algumas marcas de expressão, sinais a mais de sensatez, jeito de rir que não estava. E achacou-se ante tanta desnudez travestida de sorrisos. Antes via apenas o rosto de uma mulher jovem, um pouco contida, a lhe dizer a todo instante um sim do tamanho do Edifício Itália. 


E o dia dos pelos dela tinha a cor.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Pressa ou virtude


/sic/

sigo dirigindo veloz para dentro do feriado. Devo ter algum ou muito álcool na alma, no sangue. Mais no sangue, é verdade. Não espero que pressa ou virtude me façam escapar do tribunal. E é-me indiferente se atropelo bicho ou homem. Ou se o bicho se posta à minha frente. E sou eu

a última coisa que a justiça dos homens está interessada em saber na verdade é a verdade.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Žižek, idealismo hegeliano e sexo oral



E se ela estiver só fingindo?

Desde ontem, disparado, o texto mais lido e comentado no Guardian é uma entrevista com o extravagante Slavoj Žižek. O pensador esloveno acaba de lançar um livro: Menos que Nada, Hegel e a Sombra do Materialismo Dialético.

Daqui há uns (poucos) meses, o livro deve ser traduzido para o português e lançado no Brasil. E haverá críticas soporíferas: a favor e contra. E em fórmulas mais que sambadas. E algum doutor ou mestre apresentará paper de fazer o bicho-preguiça dormir em um desses encontros acadêmicos que são a única glória e chance de professores de universidades estaduais tornarem-se starlets por algumas horas. (Em geral na semana nacional de alguma coisa: da sociologia, da comunicação, da filosofia pop ou da gastroendocrinologia zen). Depois, mais nada. Acabou.

Mas há Žižek, que é muito mais sagaz que esses professores que jogam charminho para incautos, deslumbrados pós-graduandos com algum défice teórico mas muitos hormônios à flor da pele. E que até brinca consigo próprio, quando diz que não tolera mais que lhe peçam conselhos, mesmo depois de perceberem que ele é completamente louco. E, em especial, se o pedinte for americano. Não à toa o chamam de "o Borat da Filosofia".

Agora, se a entrevista tanto repercute, não é por conta de Hegel, de Bauer ou das teses sobre Feuerbach. Ou ainda da suposta inversão materialista operada por Marx sobre as categorias hegelianas. Mas por trechos bem mais pé no chão e um tanto apimentados, postos em linha pela entrevistadora britânica Decca Aitkenhead. E, claro, pelo deslavado carisma de Žižek, que, de resto, diz sobre sua própria vida sexual:

"Yeah, because I'm extremely romantic here. You know what is my fear? This postmodern, permissive, pragmatic etiquette towards sex. It's horrible. They claim sex is healthy; it's good for the heart, for blood circulation, it relaxes you. They even go into how kissing is also good because it develops the muscles here – this is horrible, my God!" He's appalled by the promise of dating agencies to "outsource" the risk of romance. "It's no longer that absolute passion. I like this idea of sex as part of love, you know: 'I'm ready to sell my mother into slavery just to fuck you for ever.' There is something nice, transcendent, about it. I remain incurably romantic. "I keep thinking I should try to intervene with a question, but he's off again. "I have strange limits. I am very – OK, another detail, fuck it. I was never able to do – even if a woman wanted it – annal sex." Annal sex? "Ah, anal sex. You know why not? Because I couldn't convince myself that she really likes it. I always had this suspicion, what if she only pretends, to make herself more attractive to me? It's the same thing for fellatio; I was never able to finish into the woman's mouth, because again, my idea is, this is not exactly the most tasteful fluid. What if she's only pretending".

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Dialética das imagens técnicas


/sic/

Os que se esforçam demais da conta para ter um painel de fotos na parede esquecem de propiciar algo que resulte nele fora dela.

domingo, 10 de junho de 2012

Estratégias sem muito cuspe & falsos alarmes


Sylvia Sleigh, Felicity Rainnie Reclining, 1972.


Nas fotos, tem reaparecido a coadjuvar, com um sorriso mais amarelo que uma banana prata e certa expressão lacaia, aquela amiga mais velha que recém-afinou o nariz para tentar casar melhor. Se é feliz? Quem é feliz? Você? A amiga? Aquele Narrador que um dia vos falou? E houve um rumor ou uma impressão de rumor no imenso auditório da fanqueza absoluta. 
Pareceu provir das últimas filas. 

Mas fora alarme falso. 

sábado, 9 de junho de 2012

Der Weg zum Strand


Olhou para o anúncio antes de embarcar, e lembrou de seu tempo de garoto. E de quê? Então, de uma estudante alemã desiludida. Seus belos olhos gris e guache. Ela havia vindo passar uns dias com o namorado, que estava já passando dias a mais por aqui. E não foi difícil perceber que o namorado estava achando a estadia por aqui um paraíso maior do que devia. 
Isso a preveniu não só contra o ex-namorado, mas contra o Brasil em geral. E pior - isso não se faz - contra a língua portuguesa tal como falada na América:
-Soa tão primitiva uma língua que não tem a segunda pessoa na conjugação do verbo - filosofava sobre o desaparecimento do tu. (Mas a verdade é que todos nós filosofamos, de um jeito ou de outro, quando nosso tu desaparece. De preferência, nos bares, em arengas que conseguem ser ainda mais cômicas que discussões sobre futebol).
Ou então:
-E como se pode mais empregar uma forma no singular para a segunda do plural? - referia-se, em estrita lógica, ao hábito sem retorno que temos de dizer a gente por nós a maior parte do tempo.
Não que ela estivesse propriamente interessada no emprego de pronomes numa língua romance dos confins da Europa. Mas a gente tem que dar vazão a sentimentos fortes sob formas mais ou menos racionais.
Compadecido, ele teve que explicar à moça que o você preenche perfeitamente os requisitos do tu, como segunda pessoa. E não é propriamente um erro, mas uma acomodação cultural que levou tempo para maturar, sedimentar-se. Até ser aceita em livros, gramáticas. Mais ou menos assim como no inglês o thou também desapareceu para glória maior do you. Levou algum tempo. 
Quanto à questão do a gente, aí então era até mais simples. Bastou-lhe lembrar que os franceses fazem isso à três por quatro. No caso, empregando o mágico on pelo nous mais formal. E nem por isso se metem em menos mènages. Relaxam e são felizes.
Mas, a esse tempo, ela já enchia a boca de vocês. E pronunciava o pronome com insuspeitados harmônicos. (Achava bela solução pronominal. Assim bíblica, com ressonâncias do vós na graciosa simplicidade da mercê. De fato, mais plástico, menos marcial que o tu. O tu que ainda lembra a precipitada aspereza da segunda pessoa no alemão). E ela estava até planejando passar uns tempos a mais no Brasil:
-Sabe que você explica muito bem as coisas – ela dizia-lhe - Mas e agorra, garroto?A gente vai parra o praia?

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Roy, o Redentor





Do alto das alvas falésias de Dover (White Cliffs), contemplando a França, além do Canal, ergue-se Roy, o Redentor. A armação de 30 metros é suportada por guindastes. A ideia de transformar o treinador da inglaterra em réplica do Redentor, no Corcovado, foi da casa de apostas Paddy Power. A instalação foi alçada ontem. A intenção: inspirar o escudo dos Três Leões em sua jornada rumo ao improvável título. Assim como exorcizar o primeiro adversário, do outro lado do Canal. Agora, imaginem o rolo se isso tivesse sido feito em paródia a Alá, Buda ou Jeová. O bicho pegaria. Mas somos cristãos, não é mesmo? E do lado de cá, a sarça arde; a civilidade abunda. E tudo democracias. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O lp de Ana de Holanda

A atual ministra da cultura, Ana de Holanda, em foto de 1980

Embora tenha atuado mais na área do teatro, a atual ministra da cultura lançou um lp, em 1980, gravando compositores como Nelson Angelo, Novelli, Toquinho, Carlinhos Vergueiro, Carlos Pita, além de seu irmão famoso – em parceria com Miltinho - entre outros. Não eram tempos para ser estrela da música popular. E ninguém dessa época - Diana Pequeno, Kiko Zambianchi, Olivia Byighton ou Ritchie - embarcou em carreira longeva. Mas o lp de Ana é um bocado audível, ainda que fora de catálogo e hoje. E vem de um tempo em que a MPB prometia. E era mesmo um rito de passagem. 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Prólogo a um prólogo de Béla Tarr



Pessoas agasalhadas, agrisalhadas e embrutecidas olham adiante numa fila. Fim do outono. De meia-idade e, de algum modo, vazias; pois não há muito o que fazer no campo dos sonhos ao largo do fim de uma fila assim.
Para onde todos olham como destino. 
(Ao fundo, teclados soam com mais harmonias que melodia)

A line of bundled up, grayish and brutalized people are looking ahead of themselves. End of autumn. They are middle-aged people and somehow empty, for there is not much to do in the field of dreams off  the line up they stand.
Looking ahead like destiny.
(On background keyboards sound more harmonies than melody)
Once William Carlos Williams composed a book called Pictures from Brueghel. Each poem in the book is nothing but the description of a Brueghel's picture. Similarly one could do the same to some sequences in Bela Tarr's films.

Certa vez William Carlos Williams fez um livro chamado Quadros de Brueghel. Cada poema do livro não é mais que a descrição de uma tela de Brueghel. Por analogia, pode-se fazer o mesmo com algumas sequências nos filmes de Bela Tarr.

To watch the short film in Youtube: http://bit.ly/acII15
Para assistir ao curta na integra: http://bit.ly/acII15

Começos de junho pelo mundo dos esportes & mundo em geral, sem nenhuma conclusão moral



A época é de Roland Garros, que já conhece sua 111ª edição. O torneio segue restrito a três nomes no masculino e aparentemente aberto às surpresas no feminino. Sem assunto, jornais europeus especulam sobre quem reforça os clubes para a próxima temporada. Os espanhóis e ingleses batem qualquer um na boataria. Mas os italianos são mais enfáticos, com seus admiráveis superlativos: Bravissimo! Já os leitores descem para balneários na Espanha, Itália, Croácia, Grécia e Turquia. É verão na banda de lá do mundo. 
Há um Campeonato Europeu, na Polônia e Ucrânia, que ameaça começar com muito pouco fogo na palha. Deve engrenar, próximos dias, quando estrear de fato. Enquanto isso, a presença de tantas estrelas pop ao redor de Sua Majestade, no Reino Unido, expõe ainda uma vez as delicadas relações entre espetáculo e poder.  Cantores, músicos e bandas pop cercam a Rainha como jacarés famintos em torno da gazela desprevenida. Chances assim não podem ser desperdiçadas. E isso também indica para o fato de as vedetes pop terem perdido espaço para esportistas – e, em especial, jogadores de futebol. Isso são cifras não pequenas. Se todo mundo antes queria ser cantor e jogador de futebol, não resta mais dúvidas, hoje em dia, sobre qual a mais rentável dessas carreiras. 
Por aqui, Ronaldinho Gaúcho torna-se Ronaldinho Mineiro, depois de recusar-se a ser carioca. Tudo a calar sobre Ronaldinho. A divulgação de certo vídeo pela direção do Flamengo beira a aberração. O Gaúcho foi o mais formidável e decisivo jogador que jamais pisou num gramado por cerca de dois anos e alguns semanas. Se tanto. E também um daqueles que atirou mais rápido, pela janela, a chance de ser um dos grandes do esporte. Defenestrou-a à base da mesma boa vida e molas que - dizem por aí mas não se sabe se é certo - não se deve entregar a ela. Ocorre, camarada, que a decisão foi dele. E quem pode condenar o tamanho do seu copo e da sua sede? Ainda sobre o ex-gremista, um leitor argentino pontifica, com aquela usual e enfática castelhaneidade: “a este le gusta la joda como a la mosca la mierda”.
*
Ainda sobre o Aberto da França, e as facilidades que o poder traz. 
Em 1997, quando Guga venceu seu primeiro torneio, recebeu o troféu das mãos de Guillermo Vilas. Gato escaldado, o argentino cochichou algo ao ouvido de Kuerten antes de lhe repassar o caneco. Instado a revelar o conteúdo, um Guga pouco mais que adolescente, recusou enrubescido. Mas os fotógrafos em torno guardaram a inteireza da frase: “Segura a onda, garoto: vai chover mulher na tua horta”.
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Se tudo não parar de passar, aliás, por que deveríamos seguir?

A Cena Local

Piet Mondrian, 1898


Os sequestradores tinham cara de sequestradores nas fotos. A cabana que utilizavam não era forrada. Havia camas dispostas contra as paredes e janelas abertas ao sertão. A bagunça provavelmente fora feita na revista policial. Havia um alpendre. Tão baixo que era agachar-se para se pôr sob ele. E uma viatura da polícia atravessando o curso de um rio na estiagem, provavelmente a pedidos da equipe de reportagem. O cabeça era um tipo caucasiano, calvo, de barba mal-feita. Uma cópia de sua identidade foi mostrada enquanto rotundos oficiais depunham ao microfone. Um deles veio do Pará no encalço dos bandidos. O delegado tinha mais de suíno que de delegado. Poderia ser uma espécie de figurante modelo em quadros de Bosch. Ou parte da classe dirigente em Animal Farm. E sem carecer maquiagem. Um desses guardiães do inferno. Deve haver um comércio terrível de interessante entre mídia e polícia. Também se mostrou um Volkswagen com marcas de bala no chassi. Gerentes de banco e autoridades se pronunciaram. A apresentadora tentou fazer um semblante de preocupação, desagravo. Não conseguiu. E a cena mudou para a amenidade de um PV vazio, um pouco à penumbra, à espera da hora do jogo. E depois para um desses congressos quase compulsórios, mas que a gente esquece que foi, quando os anos passam. Eles são verdadeira mania dos telejornais locais. E ajudam a tornar personalidades por três dias obscuros professores de universidades estaduais.
 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Meu pai é um ruido de chaves

Piet Mondrian

Meu pai é um ruído de chaves. E passos surdos. E um ângulo. Uma falta de palavras em Oviedo. Um passar, sem olhar para os lados, pela praça. Meu pai são cabelos cinzas logo depois da infância. Serões de trabalho. O corpo franzino. Rematada incapacidade de carinho, meu pai é apenas dever. Meu pai são os dias em que você não me veio ver: por que era melhor estar com a outra? E o que mais nas suas fantasias de amor-cortês? Ou o triângulo amoroso que a gente quer para si ardentemente como uma flâmula? O gole de conhaque, ao modo de um luxo que se toma emprestado de enredo barato? E quando se tem a noção do estrago, aí a hora é já de partir, meu Pai? E o peso dos não ditos há de sempre vergar nossas costas. Como uma mochila cheia de aporias. 

E a insípida regularidade das refeições e dos horários. Para nada.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Guinnevere had green eyes

Robert Bresson, Lancelot du lac, 1974


Ginebra tinha olhos verdes


Durante anos viveu nos livros e na fumaça de seu cigarro. 
As manhãs surgiam ásperas, abafadas e ainda sem a nódoa do idealismo que a nostalgia larga. E com os dedos amarelados, passava as páginas como quem passa debaixo do olhar e da varanda daquela a quem se deseja. Ele, ferido no bosque. Sangrando, com seu cavalo. 
Ela, de verdes olhos, a que dorme atrás da janela mais desejada, na amurada interna do castelo. A que oscilava entre o rei e ele.