segunda-feira, 23 de julho de 2012

brinde de um advogado poeta




a toda forma de amor entendida como tal pelas partes envolvidas, uma louvação. da mais sagrada à mais profana. da mais gentil à mais sacana.

domingo, 22 de julho de 2012

Como quase sempre em casos assim




havia outras garotas, do meu tempo, que eram mais parecidas com a daquela foto em que Helô Pinheiro não parece consigo. E, no entanto, mais do que não parecer com a Helô Pinheiro adulta, a adolescente da foto – de um modo bastante decidido – não é a Helô Pinheiro adulta

ela até parece mais com M. Uchôa, por exemplo. Uma garota do terceiro ano do secundário, lá do meu colégio. Ou pode ser tão prototípica como a garota da praia que o roteirista obcecado e surtado enxerga, por mise-en-abîme,  no desfecho de Barton Fink, o filme dos Coen

explico

a garota de Ipanema, como ela é uma geração adiante , sempre foi uma senhora de Ipanema, para mim. A exceção é essa foto de época, em que nem por sombras ela – de cabelos escuros, pernas trançadas, lendo uma revista na praia, o contraste entre o acobreado e o pálido na dobra superior dos seios, envergando um daqueles biquínis de talhe antigo, num allure e numa graça que não faz prefácio a qualquer balzaquiana de cabelo tingido, ou mesmo se importa em ser ou não inspiração para seja qual for canção de sucesso ou o escambau – se assemelhava com a senhora que nos era apresentada na TV. Nada da Helô Pinheiro posterior pôde macular essa garota inicial. E, logo, meio em piloto automático, também jamais assimilei a garota de Ipanema àquela senhora

seria uma espécie de desserviço à canção. (E principalmente à garota) 

como quase sempre em casos assim 




________________________________
"Garota de Ipanema", a canção, está fazendo 50 anos. E Heloísa (Helô) Pinheiro, a garota que a inspirou, 68. 


sábado, 21 de julho de 2012

Condomínio Eurídice




um oceano com alzheimer, querido: plácido, sem ondas, ideal para se brincar de nadar ao modo do tanque na fazenda dos avós. pés ante pés de água esquecidos das terras que lamberam, das quilhas que os chagaram. e onde não foram bem-vindos, a sandália da onda enxotou da sola qualquer resquício, para que não se misturassem os sóbrios e os insanos sob as mesmas árvores à praia. mas agora, que a sombra e o corpo têm algo em comum - a temperança, o riso - evade-se do esquecimento à crista rubra da onda, sob a primeira réstia, um nome (qual mesmo? - ela indaga) enquanto o galo escava o dia com a aspereza de esporas.
*
Às vezes, ia até o pequeno apartamento dela sem nenhum propósito. Era raro.
Deitava-se um pouco. Sentia o cheiro dos panos. Remexia nas gavetas: cartas, postais, fotos. E deixava as coisas numa perfeição incondicionada: copos e pratos lavados, cortina semi-cerradas. Exatamente como quando se encontravam, em outro dia da semana, e a presença dela.
A noção de tudo estar no lugar sob a penumbra, bem vincado nos armários. O aroma de imaculada ordem, limpeza. Mas também de algo indizível: uma espécie de cheiro de mulher ambiente.
Certa tarde, após um almoço de negócio e uma dose com amigos, largado na poltrona, o nó da gravata lasso, revirava um livro com a caligrafia dela nas observações, e uma flor aromática desidratada, em cheio, nas costuras. O disco na vitrola revirava trompetes. O trânsito a seguir ao largo, tenso, muito lá abaixo e branco. Embora às vezes reverberasse tênue, nos vidros da janela.
Foi quando a fechadura deu o alarme. Ele estava na própria saleta, sem sapatos. Convulsionou-se e ergueu-se a meio. Ligeiramente tonto. Sabia, não podia ser a faxineira. Mas de lá não arredou: respiração entrecortada; olhar longo, de flagrante, rumo a porta.
Porém não era ela, senão uma jovem loira, abundante - uns dois anos a diferença? - ligeiramente sobremaquiada.
Tomaram café no balcãozinho da cozinha. Virados para os azulejos da parede. Uma nesga de cidade doze andares lá fora.
A loira, casada, era amante do atual marido da inquilina. Eles eventualmente encontravam-se por lá, também. Do mesmo modo que eles outros. Quase no mesmo horário deles outros. Só que em outro dia da semana. Não deixava de ser conveniente, ponderaram.
Enquanto enxugavam a louça, riam muito daquele inusitado arranjo.
Propiciado, no caso dela, pela prontidão com que uma mensagem no celular cancelara o rendez-vous aos quarenta e cinco do segundo. E, então, ela que já se encontrava no quarteirão, resolveu subir, pousar um pouco. Tomar um banho, um café.
Riram muito daquilo tudo.
Depois foram para a vasta cama, que ocupava o quarto quase inteiro, e na penumbra urdiram surpreendentes núpcias.
Eles, os outros.
Ela apreciou bastante certa carícia. Embora não tenha confessado que já a havia praticado. Uma única vez. Faz tempo. Em outra cidade.
Talvez. Talvez tivesse contado em um tempo mais para trás. Na idade deles, quem tem mais disposição para contar detalhes? Podem ser tão pequenos, embora sejam bem ao contrário. E, contudo, parece que é melhor vivê-los avidamente:
-E o que seria da gente: se não esquecesse, lembrava? - ela disse. E penteou, prendeu o cabelo, retocou o batom com uma rapidez surpreendente. Parecia suave, profissional.

Levou de lembrança o pequeno chaveiro, com a estrela endentada na meia-lua. 

sexta-feira, 20 de julho de 2012

O Peter Pan da Bárbara de Alencar


Georgia O'Keefe

Estudou no Renato Braga, embora não fosse mudo. Muito menos surdo. Havia uma classe lá para exceções assim. Meninos precoces, de famílias pobres, que pegam no breu e coisas no ar. Que jogam bola no ar. E ouvem falar antes que se abra a boca. Ou o galo cantar ainda no ovo. Que aprendem libras apenas por garantia. Que caem nas graças da primeira-dama, que a vez que ainda passa na rua - se ainda passa - lembra de perguntar por eles. E colhem maduro o jogo verde. E o multiplicam por cem, e cento e cinquenta. E não nasceram ontem, apesar de cheirarem a cueiros. Que parecem estar sempre a andar na tênue corda bamba entre o imponderável e o que pode dar certo. Muito certo. Talentos assim não se permitem ser ignorados.
*
A rua sabia: o menino podia dar muito certo, entanto às vezes tivesse lá seus tiques. Ladino, a ponto de, na contramão dos outros, não passar umas poucas de vezes pela DP depois de maior. O apelido, herdou da personagem mais notável dos Trapalhões. E, não bastasse, era bem apanhado.
Depois, ao que parece, fez boas amizades. E, antes, isso inclui ter tirado casca de todas as meninas num raio de três quadras da casa da mãe, com a possível exceção de uma coxa. E, dizem, de uma epilética – mas aqui não há certeza. E uma fama assim sempre fica, como se diz. Para bem, para mal.
E ficou. E ele não achava ruim. Nem elas.
Eles, às vezes. E isso, evidente, não sai na urina.
Também jamais saiu dessa mesma casa da mãe. Nem quando serviu o exército. “Agora sai”, disseram as vizinhas. Debalde. Não saiu nem quando a polícia andou atrás do irmão, e, comentam, podia ter sobrado feio para ele. Pior, nem depois que casou. Nem que descasou. “Não sai nunca mais”, disseram as vizinhas. Depois casou de novo. E ainda separou mais uma. E foi aí que comprou a velha Belina que todos faziam pouco, mas foi um dos primeiros carros do pessoal da rua. E, então, naquela Copa do Mundo do Japão, veio uma outra – loira tingida – que era menos ciumenta. E foi ela quem ficou com ele. E ele mal havia batido na porta dos trinta.
Emparelhado a isso tudo, a melhora da família veio zunindo. Como carretilha pegada na veia, Praia dos Diários afora. Ele desencavava coisas, mas quem administrava era o irmão: mais velho, dissimulado. Menos sutil nos métodos.
A casa ganhou muro alto, segundo piso. E isso pouco antes de vazar-se para a vizinha. E logo depois dos anos Lula, vieram a ampla churrasqueira, a piscina e o deck no quintal, e até uma dessas pickups com wifi onboard na garagem. Geringonças eletrônicas para todos os gostos, smartphones, e um gosto musical que, além das bandas de forró com nomes culinários, incluía a OfficialAdelle, devidamente adicionada à sua conta no Twitter.
As festas de Carnaval e São João visavam a casa dele, ano após ano, como a mosca marca o mesmo ponto no rosto quando se está refestelado no sofá após a feijoada. Ali, naquela quadra rente ao Ginásio, rumo do Centro, a casa dele era a Terra do Nunca, a capital da folia. E tome a chegar vereador. E, uma vez, até um superintendente de Regional. Verdade que não ficou hora e meia.
Nesse dia, ele fez discurso ao microfone. O desembaraço não é seu fraco. E embora já tenha passado os quarenta, surpreende pela jovialidade da aparência, a profusão dos planos. O tratar bem todo mundo.
Não é preciso muito mais que isso, umas poucas de promessas, e visões não só para si, porém abarcando três quarteirões de gente. Lúcidas? Sobretudo, se ditas com firmeza por planos não tão aéreos. Sim, lúcidas. A dizer chega. Talvez demais. Certezas de que o futuro exatamente daquele jeito vai chegar. Melhor. Mais asfaltado, mobiliado, amplo. Com um puxadinho aqui. Um sotãozinho acolá. O ajeitar a aposentadoria da Maria do Dozim. Providenciar a instalação de TV a Cabo para os meninos da república. Mais outras gambiarras. E sem depender de bingos ou rifas ou quermesses. Nem uma carreira a menos.
Agora os caminhões volta e meia estacionam na porta de casa. E os filhos é que cuidam dos negócios que ele tem, dizem, com gente do Mato Grosso. Mas, então, apesar de já ter netos, Dona Ercília e as outras senhoras ainda chamam ele de “o menino”. E ele lhes toma a benção com a compostura que falta aos outros. E as senhoras, gostosas, gabam-lhe delicadeza e educação.
O embaraço não é seu forte, embora quando fica mais excitado costuma afogar a voz num acesso de pigarros. E, se a situação é mesmo tensa, os pigarros vão-se intercalando por lapsos cada vez mais breves, e serrando-lhe as palavras em meias-palavras. E elas, às vezes, não bastam.
E foram esses pigarros o que se ouviu, um pouco ao largo de onde quer que se ouviu, rapidamente, ontem de manhã –  uma manhã de julho: fresca, desanuviada   – antes que as motos disparassem, no rumo do Centro, após os tiros. 

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Ao fim de duas boas prosas


Gaetan Henrioux

Nesta primeira metade de 2012 se foram Ivan Lessa e J.D. Salinger.
[Para mais de Salinger em Afetivagem, AQUI]

Ivan Lessa era a garantia de que se a semana seguia pouca inspirada nas crônicas, tínhamos um diferencial. Uma espécie de porto seguro. E, então, era se atacar para o site da BBC Brasil, e ler a crônica de Lessa. Ele foi dos colaboradores mais destacados do  Pasquim, e um conhecedor de literatura como poucos, embora ao estilo antigo - ou seja, sem dar bandeira e amedrontar o leitor ao sublinhar isso a todo instante. Nos últimos anos, aliás, Lessa era pura nostalgia de um Rio que existia só nas décadas de 50 e 60 de sua memória. Um ambiente cortado por sambas-canções e bossas, cigarros, doses de uísque, boutades de Antônio Maria, performances de Dolores Duran ou do Tamba Trio; e algum existencialismo tropicalizado, glosado em meio a penumbra de uma boate Zona Sul. Um Rio que ele provavelmente pintava mais belo do que foi, desde uma Londres cinza e distante. Mas quem ia reclamar?
*
J. D. Salinger, esquisitão, recluso, provavelmente teve mais publicidade na sua morte do que gostaria. Se ele era um freak, ou uma espécie de Greta Garbo da literatura, para que entrar no mérito? Seu único romance (O Apanhador no Campo de Centeio) e seus parcos volumes de contos falam amplamente por si. Falam do estilista ímpar que foi. Ele atravessou décadas como um dos autores favoritos dos escritores mais proeminentes dos Estados Unidos. Mas foi igualmente um enorme sucesso de público. Richard Yates – de quem falamos AQUI – caracterizava Salinger como “um homem que manejava a linguagem como se esta fosse pura energia belamente dosada, e que sabia exatamente o que estava fazendo em cada pausa, assim como em cada palavra”. ["a man who used language as if it were pure energy beautifully controlled, and who knew exactly what he was doing in every silence as well as in every word"].

And that is it.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Nota sobre Flusser e o Twitter



Flusser e a Feira do Efêmero
-Flanagem sobre a função do humor, do lúdico e de sobretons de fantasia e barroco em Flusser

O que Flusser pensaria do Twitter? 
Provavelmente nada. Flusser teria deixado a análise do Twitter para os doutores da vez. Ou seja, para aqueles seus contemporâneos que apenas se limitavam a macaquear seus agudos insights e aplicá-los sobre as realidades mais aparentes do aqui e do agora. Ele mesmo estaria mais ocupado com formas de comunicar que ainda nem suspeitamos – e das quais o Twitter, entre outras redes sociais e outras modalidades de passagem de informação em público, não constituiria mais que um indício. Ou seja, um pretérito recente de algo que estaria ainda mal esboçado. Então, somente como esse pretérito recente de algo ainda mal esboçado é que o Twitter entraria em consideração, como elemento acessório, a ser investigado pelo autor da Filosofia da Caixa Preta. Não pelo que constitui em si.
Há algo em Flusser – como aliás em Benjamin – da tradição judaica do profeta. Flusser possuía a nobreza de se reservar assuntos ainda pouco tocados. Mas mesmo quando debruçava-se sobre temas da circunstância, os transfigurava pela força de seu ponto de vista, sempre voltado para a aventura da prospecção. E então, era como se esses assuntos, esses temas fossem vistos com olho de raio-x por entre as espessas muralhas do futuro.
Enquanto os doutos falavam em alienação, nas décadas de 60, 70, 80, enchiam a boca com o termo, com esse conceito - em verdade, tacanho, redutor, bastante problemático e constrangedoramente datado - como para demarcar a contemporaneidade do marxismo que abraçavam ao modo de uma crença, Flusser, ao imaginar coisas improváveis mas possíveis, já buscava lá, adiante, vislumbres do que seria a internet e do que viria a constituir uma sensibilidade pós-industrial.
Na verdade, o que há de novo (e resgate) em Flusser é também um desejo de jogo, de brincadeira. Um desejo de brinquedo que ainda se advinha em gente como Huizinga. Ou em temperamentos menos tutelados, bitolados ou de predisposição menos sectária ou dogmática. E é depois de dimensionar o quanto a máquina deixa muito pouco espaço à criatividade, que Flusser sugere o momento do jogo e da criação. Um jogo limitado pela potência, pela prepotência da tecnologia. Ou pela sofisticação por trás dela, que nos leva a um oximoresco, crescente paroxismo em relação ao fetiche que a anima, que vive embutido nela.¹
Mas, ocorre que, antes de Flusser – e em seguida a Huizinga - a geração dos teóricos de Frankfurt – com a possível exceção de Benjamin e do Kracauer de O Ornamento da Massa – pôs demasiada sisudez e propôs muito pouco jogo, ludo, brincadeira no que mentou. E isso foi absorvido por gente como Habermas, que levou essa sisudez e esse hieratismo acadêmico a uma máxima potência. Ocorre que Habermas, que foi contemporâneo de Flusser, foi também muito mais influente à época e até uns poucos anos atrás, com a sua “teoria da ação comunicativa”.
Hoje, as ações de Habermas na bolsa das teorias conhecem um severo refluxo. O que implica dizer que, dentro de um certo sentido, o “bom-humor” de Flusser é um dado recente, e, no entanto, muito bem-vindo: “imaginar, não coisas impossíveis, mas coisas improváveis, isto é ter fantasia”.
Ora, deter-se feito um basbaque na análise do Twitter não seria do temperamento de Flusser. Ele tinha fantasia. O Twitter não é algo propriamente improvável: é uma realidade, uma forma efetiva de comunicação utilizada por milhões de usuários no mundo inteiro há vários anos. Difícil prognosticar o ponto em que o Twitter atingirá seu zênite para, então, murchar - como já está murchando o Orkut. Mas é certo que ele cessará de disponibilizar sua lógica de teia social tão logo deixe de dar lucro. 
Em dado momento Flusser nos diz que “uma máquina é algo projetado para ludibriar”. Em outro, acerca o artista do trapaceiro; ou a arte do embuste.²
Não se ouve isso de teóricos renomados a todo o instante. Esse grau de jogo e diversão na construção da teoria mesma. Essa linguagem desabusada, informal, cortejando a fala. Essas nomeações, formações de terminologia quando muito tendem ao esoterismo teórico e à seita, como em Deleuze. [Quer dizer, mais entre os deleuzianos que em Deleuze propriamente dito]. Mas não ao ludo.
Na contramão disso, os materiais nas mãos de Flusser ainda são estimulantemente toscos, brutos, como nas mãos de uma criança que empresta vida aos bonecos ou ao sabugo de milho de forma jocosamente exemplar. Pois Flusser está sondando, investigando, nomeando fenômenos ainda incipientes – o que o Twitter já não é, em si. O que o Twitter só pode ser na relação com algo que ainda não percebemos, e ainda segue envolto nas dobras do futuro. 
Do mesmo modo, uma criança, por inversão, é incipiente ao investigar qualquer fenômeno. Inclusive o Twitter. Essa é a diferença da criança para Flusser. 
A outra face dessa diferença é a superficialidade. Quer dizer, crianças ao contrário de Flusser, são dispersas. Põem-se a pular de um para outro objeto de investigação. Saltam de um para outro brinquedo, feito estivessem num playground. E acabam não investigando nada mais detidamente. Embora recriem o mundo de um modo mágico e intuitivo, cheio de fantasia e jogo. De uma forma como não sabemos mais fazer depois de adultos. Embora essa forma - intuitiva, lúdica, mágica - quando inteiramente suprimida também nos deixe num tremendo prejuízo. 
Mas, de outro modo, nós hoje temos uma dimensão prática bem mais efetiva desses fenômenos de comunicação via redes de computador, mediante a universalização da internet e da tecnologia digital – pois era sobre esses fenômenos que o autor de Bodenlos já falava, quando eles apenas brotavam, botavam as manguinhas de fora. E, aqui, é necessário entender que a força do pensamento de Flusser nutre-se também dessa brusquidão, alimenta-se dessa aparente falta de polimento, de jeito.  De estar a farejar algo ainda em processo. E ao contrário do que ocorreu com Benjamin, a recepção de Flusser ainda é por demais recente e escassa para ter se voltado contra ele em potência.³
Isso para não falar que o judeu em Flusser casa muito bem com o improviso brasileiro. Ambos reconhecem-se mais transitórios, prófugos e obrigados a improvisar por força de se encontrarem à margem. E é essa mentalidade brasileira - naturalmente barroca e profusa, impreparada, assistêmica, bastante ahistórica, assimétrica, sensual, com sugestões a um inesperado reconsórcio com a natureza,  que se faz notar também como um dado novo no pensamento de Flusser. Sua recusa em citar fontes, por exemplo, passa ao largo de um desejo normativo que engessou o pensamento acadêmico não é de hoje. [4]


Para mais Flusser em Afetivagem: 

- Sobre a Recepção de Flusser, Moda e Certo Rancor-Ambiente
Nota Sobre Flusser e o Twitter
Um Extrato de Too Much a Sobreviver na Memória dos Outros
Interdito, Vox 
No Centro de um Império Equivocadoª
Bach e os Imigrantes
Isso Já Ocorreu uma Vez
Arte e Internet
Para uma Pós-Erfahrungologia da Experiência


___________
¹daí que para o empacotador de supermercado seja imperativo obter o novo smartphone, que traz a última ninharia técnica: a câmera de x-megapixels, ou a velocidade x.0. E então, ele terá de vender o antigo, quitar a dívida, para poder dar entrada no novo, endividar-se com ele. Sem falar no que há de antisustentável nessa lógica, que aposenta aparelhos, ainda em vida útil, numa velocidade cada vez mais brusca e cujo retorno não é mais que uma milimétrica vantagem técnica que logo será superada por outra. Mas não é essa a lógica de consumo em que já vivemos sendo apenas acelerada?

²de imediato se pode argumentar que o modo como Flusser trata a etimologia de certas palavras-chaves – tais como design, tecnologia e arte – em seu ensaio “Sobre a Palavra Design” é amplamente fantasioso. Mas isso não implica numa diminuição do valor heurístico do ensaio. Pois ele, de outro modo, revela, descobre coisas a partir dessa “fantasia etimológica”. E, indo mais fundo, pode-se indagar: que etimologia não é também fantasiosa e/ou intuitiva?

³a obra de Benjamin serviu de tema para um tão vasto número de paráfrases teóricas que praticamente desapareceu, afogou-se, submergiu, anulou-se, sumiu em meio ao turbilhão de palavras que a sitiam nos diascorrentes – muitas vezes sem qualquer contexto, coerência, conexão ou mesmo fantasia criativa – dentro das escolas de comunicação, literatura comparada, arquitetura, história, cinema e tradução ao redor do globo. No atacado, não há desdobramentos e descontinuidades a partir de Benjamin, senão um monstruoso catálogo de aberrações teóricas, as quais Benjamin acharia, no mínimo, "curiosas" ou fronteiras à barbárie. Há tantos Benjamins pelo mundo afora, de acordo com o gosto do freguês - um Benjamin semioticista, um Benjamin pós-estruturalista, um Benjamin deleuziano, um Benjamin historiador dos Annales, um Benjamin da desconstrução, um Benjamin das teorias do dispositivo cinemático, um Benjamin feminista e ligado aos estudos culturais; e dentro em breve, quem sabe, até um Benjamin adepto do pós-futebol e da liberação da maconha - que o Benjamin histórico, o autor de alguns ensaios prismáticos para compreensão do pós-tempo em que vivemos virou apenas uma pálida sombra indistinguível, e que, convenhamos, ninguém mais lê. Ou faz um esforço mínimo para compreender as matrizes e motivações de seus conceitos. Conclusão: Benjamin virou pau para toda obra e, logo, para obra nenhuma. Flusser está apenas começando a experimentar esse processo que Benjamin já passou. Passou, e foi arrasado nele. Esse processo, digamos, de pauperização pelo número. De pauparatodaobralização. Pauperização pelo número e pela inconsistência das paráfrases e desdobramentos teóricos. Com as excepções de praxe, esses desdobramentos não só são ralos, inconsistentes, como também vedam ao próprio estudante as palavras mesmas de Benjamin, seus conceitos. A leitura de seus textos. O acerto ou não das escolhas de seus tradutores. Uma familiaridade maior com sua obra. Mínima que seja. Uma possível conexão entre os conceitos de Benjamin e realidades que hoje experienciamos - em sua maior parte através de maquinismos. Pois são raros os teóricos que, a exemplo de Agamben, concedem um pouco de espaço a Benjamin antes de instrumentalizar a teoria de Benjamin para legitimar a montagem de seu  próprio sistema teórico. Ou a redação do próximo artigo par pôr na revistinha acadêmica: sempre há uma em demanda.
Outro ponto, aliás, que conta a favor de Flusser - além de ainda ser relativamente pouco conhecido - é a estranha sonoridade de seu nome. [um desses nomes que parecem evocar o que Melville nos diz no "Bartleby": "a name which, I admit, I love to repeat for it hath a rounded and orbicular sound to it, and rings like unto bullion". O prefixo flu- é o prefixo do rio e, logo, fluido, fluxo, flúmen, fluência, fluminense etc. O nome Flusser porta em si a transitividade do rio - que é, entre outras, a melhor metáfora de tempo, propagação, percurso e circunstância no Ocidente, desde Heráclito].

[4] no caso de Flusser, agregar algo da mentalidade barroca brasileira é um benefício porque consorcia-se a um pensamento que vem a ser, inicialmente, apolíneo, cartesiano, abstrato, geométrico, europeu. Um tanto sombrio, em contornos gerais. Sem muito a oferecer de saída que não sua solidez lógica. E, no caso, o barroco brasileiro tempera esse pensamento. Reveste-o de matizes intuitivas e subversoras da ordem, tal como Bakthin aponta o Carnaval – paroxismo do barroco – como elemento subversor. O problema no Brasil é que ao barroco não há um contraponto mais racional e sóbrio.  [Como houve, de resto, em Flusser, que já veio para cá munido dessa formação, ou egresso dessa escola]. E logo, no caso da inteligência brasileira, o barroco, dando uma volta sobre si mesmo acaba por anular-se. [Pode-se dizer que o barroco dobra-se sobre si mesmo e acomoda-se ao invés de explodir em arco na metade do caminho e vazar para a práxis - incompleto e subversor - a requerer um suplemento mais sóbrio e lógico.] Ou seja, em vez de subverter a ordem, o barroco no Brasil é subvertido por ela, e acaba ajudando a consolidar esse estado de coisas onde impera uma extrema desigualdade social e econômica. Ora, desigualdade, dessimetria têm tudo a ver com barroco. Senão é mesmo a pérola imperfeita que está na raiz da palavra.

Discrição e moda



segundo o As, os próprios atletas espanhóis têm feito piadas e brincadeiras com os novos uniformes da delegação ibérica que desembarcará em Londres nos próximos dias para disputar os Jogos Olímpicos. 

mas por que, se parecem tão discretos? (E provavelmente devem ter rendido um bom punhado de euros a um desses estilistas de plantão e gosto, algo: circense?). 

terça-feira, 17 de julho de 2012

Digressão sobre Carnaval, Subversão e Barroco

Max Beckmann

é claro que o carnaval libera e subverte, como ensina Bakhtin. E se o Carnaval é um elemento central de nossa cultura, é porque há cargas de sanidade nela. [Quer dizer, por contraposição a outras, que são menos digestivas ou barrocas, como a europeia, onde essas cargas de contrariedade são sublimadas, reengolidas, como quando não se cospe o catarro após o escarro] 

mas também quando há só Carnaval, quando há só sarro o tempo inteiro, o Carnaval é suprimido

e domado. E organizado. E deixa de sê-lo

transforma-se em algo passivo. Apropriado pelo latifúndio, pelo consumo, pela mídia mais normativa e medíocre. Pelo espírito UDN da vez. Pela Une. Pelo Departamento de Ciências Sociais. Por tudo que há de mais sectário, cartorial e torpe. E, assim, por essa estranha dialética, o Carnaval torna-se, do contrário, algo mesquinho, autoritário. De uma festa que concentra o melhor das inadaptações sociais, ele se torna um repositório de superadaptações. A própria capital dessa sociabilidade carnavalizada

ora, já foram suprimidos muitos elementos que contrastavam com o Carnaval. E porque contrastavam com o Carnaval, também o desafiavam e definiam. O limiavam melhor, por contraste. É o caso da Quaresma

a Quaresma já foi um elemento essencial para a definição do Carnaval. Não é mais.  E se não é mais, é porque o Carnaval também não é mais o que era. Pois à mesma medida em que a Quaresma foi deixando de ser, o próprio Carnaval também tornou-se, por seu turno, menos subversor. Menos ele mesmo: uma etapa de delírio, de inversão de valores, que antecipa fastio e austeridade

e por quê? Porque tornou-se norma. Algo domado. Porque retirou-se do Carnaval seus germes de subversão. Hoje qualquer cidade sem uma tradição orgânica de Carnaval popular, como Fortaleza, pode ter sua micareta em julho ou agosto – ou em que mês mais for 

e o Carnaval que tinha data, hora e prazo e lugar para acontecer, por contraste a outros motivos, agora é algo portátil ao longo do ano. Algo meio descartável. Ou amoldável aos interesses puramente econômicos por trás da organização dessas micaretas

o Carnaval é algo precioso demais para ser banalizado e pulverizado, por meio de micaretas fuleiras, ao longo do ano. Aliás, já há festa demais no país. O perigo, então, é da festa - quando menos se esperar - brotar a polícia e a censura

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Casas tortas para dentro, sem possibilidades de relento




algumas casas, nota-se que o arquitecto as entortou para dentro. Como se devessem pagar eterno tributo, curvar-se em permanente reverência à perícia com que o espaço interior foi modulado, seccionado, esculpido
não me fio delas. Parecem cavernas 
uma casa também tem de se voltar para fora. Manter um olho na rua. E, mesmo, ensaiar ser parcialmente esse fora, essa rua. Aos poucos. E desde as varandas e alpendres, acostumar as crianças com o mundo: a chuva, o sol, as árvores, a grama, os calangos, o escuro. Estrelas. O cricri dos grilos. Desconfiar de quem não gosta de varandas, alpendres, terraços, num clima como o nosso. Um clima que convida à convivialidade nesses espaços em que dentro e fora diluem-se em terceiro rumo


uma espécie de pré-relento, onde é bom armar a rede

domingo, 15 de julho de 2012

térmitas e último dia para contrato



o entomologista investiga uma nova espécie de cupim descoberta na amazônia. a espécie tem apenas fêmeas. 
ainda assim, reproduz.
*
-não tenha pena de mim. lembre-se: eu fui tão ou mais sacana que você - o que não é pouco. e isso de fragilidades femininas é só charme. por dentro você mal ia adivinhar o torquemada de saias que me habita o espírito. nem o politicamente correto faria melhor por mim. (muito menos por você, sinto). e, segundo dizem, nessa nova espécie de cupins a casa está cosida em barro por dentro da casca. eu queria ser assim, meu caro. ter uma casa costurada por baixo da pele. mas não tenho. e ter onde morar não cai do céu. daí, se não sentir o cheiro do dinheiro na pele dos que levo para cama, melhor esquecer. pelo menos vou direto ao ponto, você sabe. e então, se me quiser de novo, faça o favor de sair dessa pindaíba. e muito. ser pobre é bonito, em biografias e enciclopédias. mulheres querem homens com charutos que se acendem em cédulas de cem dólares, e não garotos que fumam baganas atrás das portas. homens de verdade, que estribuchem sobre nós na mesma medida em que fodem com a vida dos outros. quanto mais subalternos tiverem, mais chances de darem certo no meu cetim, você sabe. não nasci no time desses cupins. e estou é ficando velha, não louca. tenho de quitar o financiamento da casa, assegurar uma aposentadoria, e um seguro educação pro waltinho.  

ninguém sabe o dia de amanhã.

sábado, 14 de julho de 2012

Conta outra, meu

Sara Ramo

difícil encontrar blog na primeira pessoa – eu, me, meu – com algo bacana de ler. A maioria fica naquela: dizer que é assim, assado. Que não gosta de jiló. Que está gripado. Que lê tais livros e vê tais filmes e ouve tais sons. Que se parece com probos, lêmures ou maçons. Que gosta de cabrito ao forno. Que encravou a unha. Que sofre com aquela dor de corno em La Corunha. Que tinha uma língua, mas o gato comeu.

tcherto. Mas e daí?

conta outra, meu.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Num Acesso de Ousadia

O'Connor

eu tinha uma paciente muito contida. o marido havia batido nela. tinha sido humilhada pelos filhos. abusada pelo pai, ainda em criança. aguentava tudo num altruísmo a toda prova. a imaginar que recobrava dignidades. a sua, as da família: 

-e se eu perder a cabeça, doutora? - me perguntou uma vez, num acesso de ousadia.

-infelizmente quem faz essa pergunta nunca perde a cabeça.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

A maior parte




lembre: a maior parte do tempo a gente só existe para os outros na forma de lembrança. 

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O sonho resgatando a humanidade numa cartolina cheia de d's


A. Quincy Jones e Frederick E. Emmons, X-100, The Experimental Research House, 1956

na sétima série, chorou ao perceber que a professora de Educação Artística – apodada Maria Machadão – não achara seu trabalho de casa  - uma cartolina cheia de palavras edificantes começadas em d, mais algumas fotos - exatamente a salvação da lavoura. Mas acho que falhei ao tentar consolá-la no recreio

desculpe-me. Eu não tinha voltado ao assunto esses anos todos

Veja o que uma guitarra explora


Lucio Ranucci

uma guitarra tira sons de dentro de você, que você nunca ia suspeitar que estavam lá, dentro da caixa de ressonância de você. O seu medo de dizer para ela, o choro que era necessário mas não veio, sua incapacidade de encorajar. O fato de haver dito tão só a metade. (As lágrimas que, no fundo, eram de crocodilo. O consolador de Jó em você, sempre a postos). Afora todas as horas em que, depois de pensar duas vezes, você também deixou de agir duas vezes. 

e para melhor. E em meio a palavrões mais cabeludos que Toni Ramos

tudo isso uma guitarra repara.

Perdidos na selva dos signos



Ontem no Twitter, a etiqueta Leonardo rendia vastas doses de lost in translation por este mundo afora. Enquanto os europeus e de mentalidade mais clássica discutiam da Vinci, os norte-americanos assuntavam DiCaprio. Mas os brasileiros é que estavam certos. Eram maioria e falavam de quem estava na origem de tudo: o cantor sertanejo.

Eles ainda vão se ver com a gente.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Onde o tempo diz a emergente palavra: Celan




'Auch wir wollen sein'

Auch wir wollen sein,
wo die Zeit das Schwellenwort spricht,
das Tausendjahr jung aus dem Schnee steigt,
das wandernde Aug
ausruht im eignen Erstaunen
und Hütte und
Stern
nachbarlich stehen in der Bläue,
als wäre der Weg schon durchmessen.

Paul Celan


'Nós também queremos ser'

Nós também queremos ser
onde o tempo diz a emergente palavra,
o milênio remoçado sobressai da neve,
o prófugo olho
repousa no seu próprio espanto
e cabana e
estrela
sublinham-se avizinhadas no azul,
como se o caminho já estivesse feito.

Ser como o rio que deflui



Depois do tempo aprende-se a divisar o que há de obsceno, cômico também no sucesso. O excesso de cristal, de brilho. O excesso de vontade que a vida ressoe vazia como um dedo roçando a borda da taça produz uma nota que não pode ser flexionada. 
Ou então, que tudo, toda a psique pisque em matiz mais refulgente. No céu da pátria e nesse instante. A grandiosidade a cercar uma ou um só. Uns poucos, vá lá. E os demais reduzidos a pó, usurpados: músicos na orquestra. No fosso da orquestra. Há micos amestrados dentro de fraques e longos. Enquanto a prima-dona espreme espinhas na voz. E a plateia balança os balangandãs que ainda pôde juntar.

Eis porque cerimônias de casamento provocam tanta hilaridade.


Para sempre, me lembrar de você numa beira de estrada. Camisa de flanela ao vento como uma bandeira. Lua e morcego tatuados.

domingo, 8 de julho de 2012

Samu


Ivan Serpa

Passei um bom tempo fora de circulação. E tomei um táxi para voltar ao convívio humano. À altura da Washington Soares, naquele trânsito de enervar mártir, o taxista diz:
-Rapaz, ontem não é que o cara bateu no Samu.
E eu:
-Como?
-O cara acabou batendo no carro do Samu.
-O que é Samu?
Apreensivo, sem decidir se estou brincando ou sou sincero, o taxista olha para mim com um cara de quem quer desistir de me tomar por humano:
-Esse pessoal do socorro médico.
-Ah!

sábado, 7 de julho de 2012

O começo do fim das grades nas janelas e varandas




O malandro estava na esquina. Encostado num poste na esquina. Com o rosto inchado por passadas cachaças. Maquinava algo um pouco torpe, que pudesse ser adiado de última hora. Algo nada edificante. E levava baseado e meio na cachola. Ainda estava escuro. Nenhum carro na avenida.

Nisso os caminhantes passaram. Um já velho. Outro de meia-idade. O primeiro tirou para os lados do Centro. O outro foi para a banda do mar e da Aldeota. E eram só o começo. E o malandro na esquina, visto por mais olhos que os da polícia, odiou aquelas pessoas que, assim tão cedo da manhã, passam caminhando por cima de seu direito de delinquir. 

[04.07.12]

sexta-feira, 6 de julho de 2012

A indesejada das gentes: W.S. Merwin



For the Anniversary of My Death

Every year without knowing it I have passed the day
When the last fires will wave to me
And the silence will set out
Tireless traveler
Like the beam of a lightless star

Then I will no longer
Find myself in life as in a strange garment
Surprised at the earth
And the love of one woman
And the shamelessness of men
As today writing after three days of rain
Hearing the wren sing and the falling cease
And bowing not knowing to what

W.S. Merwin


Para o Aniversário de Minha Morte

A cada ano sem me dar conta venho a passar pelo dia
Em que os últimos fogos vão acenar para mim
E o silêncio assomará
Viajante incansável
Feito o brilho de uma estrela cega

Então não vou mais
Achar-me na vida como numa estranha roupa
Atordoado na terra
E pelo amor de uma mulher
E a desfaçatez dos homens
Como na escrita de hoje após três dias de chuva
A ouvir o canto da corruíra e o temporal cessar
E curvando-me não sei diante do quê



NOTA - a corruíra, v.7 2ªE, é um pássaro mais conhecido na Europa como carriça, ou carriço. É conhecido como corruíra apenas no Brasil. Adivinhe por que corruíra parece ir melhor com o contexto geral do poema?

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Segunda-feira, 5 de julho de 1982: há trinta anos e um eclipse



No começo de julho de 1982, a Guerra das Malvinas havia recém-acabado. Os Estados Unidos eram governados por Ronald Reagan. Ainda havia Appartheid na África do Sul. Sambódromo ainda não havia. Jogo da Vida era a novela das sete. Blade Runner fora lançado meio mês para trás, mas ainda não chegara ao Brasil. Elis Regina morrera cinco meses antes. "Ebony and Ivory", com Paul MacCartney e Stevie Wonder; ou "Morena Tropicana", com Alceu Valença; ou "Banho de Espuma", com Rita Lee; ou "I Believe in Love", com Nikka Costa tocava no rádio. As gírias da hora eram "joia", "de repente", "tem vaga", "broto", "falou", "massa" e "só". E era impossível conversar com algum mediano sucesso sem pelo menos um desses termos na frase, embora isso hoje pareça realmente inacreditável. O inverno fora fraco. Um ano e meio depois, Jericoacoara seria descoberta, e o mundo viraria de cabeça para baixo. Eu cursava o segundo ano de Informática - que à época se chamava Processamento de Dados - na Universidade Federal. Mas então eram férias. E depois do segundo semestre, em janeiro do ano seguinte, nos atacaríamos para Camocim num Xavante sem capota. A Abertura era lenta mas graduava-se. Quando não tinha dinheiro para comprar livros, lia entre as prateleiras da Ao Livro Técnico, ali no térreo do Edifício Sul América. Em casa recebíamos a Newsweek, e eu tinha penfriends numa porção de países: Holanda, Estados Unidos, Argentina, Japão, Costa do Marfim... Houve um grande eclipse lunar no dia 6. E, no dia anterior, o minguar de um outro corpo celeste:


Eu não vivo por ti, Corinthians & o atual estágio do ludopédio tupiniquim



TT's Fortaleza 

#VaiBoca
#ForrodeSaltoemBuritiBravoMA
#processada
Corinthias
Higgs
FollowMelFronckowiak RumoAos800MilSeguidores
Tá Lucy
Amy Winehouse
Happy 4th of July
Nike

Ontem, quinze minutos após a vitória do Corinthians eram estes os TT's em Fortaleza, e com direito exclusivo sobre este notável "Corinthias", que não poucos parabenizavam com entusiasmo, circunstância e sono.
Bela vitória. E todos os méritos a quem de direito. Uma equipe disciplinada, aguerrida. E não é fácil ganhar uma Libertadores. Ainda mais com um Boca pela proa, na final. A vitória do Corinthians não deve ser depreciada. Mesmo por quem não simpatiza com o time de Parque São Jorge. 

Isto é uma coisa.

A outra é essa impressão de que taticamente o futebol brasileiro está pelos menos uns dez anos ou duas copas atrás de equipes como Alemanha, Espanha e Itália. Como a recém-concluída Eurocopa - de resto, com jogos bem agradáveis de ver - sugere. E também por ambas, Euro e Libertadores, não há um sabor de sobejo na final da Copa do Brasil, hoje à noite? Os calendareiros da CBF bem que precisam rever seus conceitos. Para não nos inflacionar de finais. E que a menos importante delas venha na mesma semana de duas pesos-pesados. E imediatamente depois delas.

Os termos essenciais da oração


veja você a sintaxe. Ela olha para você, de cima abaixo, na portaria do Clube do Predicado, e pede suas credenciais. E, então, você já está no Predicado. Mas agora está no Sujeito. Não é uma contradição dizer: “você está no predicado”, quando na verdade "você" está mesmo é no sujeito? Ah, moça, isso não tem jeito de sincronizar. E não vale botar a culpa na colonização portuguesa, porque em inglês o logro é o mesmo. Derrida deve ter contemplado isso quando lhe ocorreu o conceito de indecibilidade. Essas coisas sem jeito de ajuntar em lógica. De amarrar por lógica. Essas coisas "inamarráveis", e que a gente só entende por intuição. Mas já que você provou dos dois, veja como o Predicado é sonso. E sonso, no entanto, é predicativo do sujeito. O Predicado não é cachorro, senão um gato bigodudo e finório - embora lembre Otto von Bismarck. O Sujeito, de outro modo, parece meio bobão

esqueça os termos essenciais quando for orar. Mesmo o boboca do sujeito é meio velhaco. E você já notou, não é? A turma do terreiro é pissuída. Os sem-terra lutam e continuam. (Quer dizer, alguns continuam transferindo termos de posse com um ágio desgraçado em cima). Os latifundiários ainda mandam matar radialistas. Os pentecostais oram

os católicos apenas rezam