terça-feira, 17 de julho de 2012

Digressão sobre Carnaval, Subversão e Barroco

Max Beckmann

é claro que o carnaval libera e subverte, como ensina Bakhtin. E se o Carnaval é um elemento central de nossa cultura, é porque há cargas de sanidade nela. [Quer dizer, por contraposição a outras, que são menos digestivas ou barrocas, como a europeia, onde essas cargas de contrariedade são sublimadas, reengolidas, como quando não se cospe o catarro após o escarro] 

mas também quando há só Carnaval, quando há só sarro o tempo inteiro, o Carnaval é suprimido

e domado. E organizado. E deixa de sê-lo

transforma-se em algo passivo. Apropriado pelo latifúndio, pelo consumo, pela mídia mais normativa e medíocre. Pelo espírito UDN da vez. Pela Une. Pelo Departamento de Ciências Sociais. Por tudo que há de mais sectário, cartorial e torpe. E, assim, por essa estranha dialética, o Carnaval torna-se, do contrário, algo mesquinho, autoritário. De uma festa que concentra o melhor das inadaptações sociais, ele se torna um repositório de superadaptações. A própria capital dessa sociabilidade carnavalizada

ora, já foram suprimidos muitos elementos que contrastavam com o Carnaval. E porque contrastavam com o Carnaval, também o desafiavam e definiam. O limiavam melhor, por contraste. É o caso da Quaresma

a Quaresma já foi um elemento essencial para a definição do Carnaval. Não é mais.  E se não é mais, é porque o Carnaval também não é mais o que era. Pois à mesma medida em que a Quaresma foi deixando de ser, o próprio Carnaval também tornou-se, por seu turno, menos subversor. Menos ele mesmo: uma etapa de delírio, de inversão de valores, que antecipa fastio e austeridade

e por quê? Porque tornou-se norma. Algo domado. Porque retirou-se do Carnaval seus germes de subversão. Hoje qualquer cidade sem uma tradição orgânica de Carnaval popular, como Fortaleza, pode ter sua micareta em julho ou agosto – ou em que mês mais for 

e o Carnaval que tinha data, hora e prazo e lugar para acontecer, por contraste a outros motivos, agora é algo portátil ao longo do ano. Algo meio descartável. Ou amoldável aos interesses puramente econômicos por trás da organização dessas micaretas

o Carnaval é algo precioso demais para ser banalizado e pulverizado, por meio de micaretas fuleiras, ao longo do ano. Aliás, já há festa demais no país. O perigo, então, é da festa - quando menos se esperar - brotar a polícia e a censura

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