terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os Vestígios, a Loura, o Poema, o Dia D & a Misteriosa Elisão do D


O prédio da antiga Estação Ferroviária de Camocim 


Um dos vestígios de sotaque do interior, nunca perdi. Uma amiga costumava zombar desse vestígio. Mas ela – e nem suspeitava - parecia a loura (ou loira, no caso) do poema de Drummond. Este: 

Esperteza

Tenho vontade de
- ponhamos amar
por esporte uma loura
o espaço de um dia.

Certo me tornaria
brinquedo nas suas mãos.

Apanharia, sorriria
mas acabado o jogo
não seria mais joguete
seria eu mesmo.

E ela ficaria espantada
de ver um homem esperto.

(O poema não vai muito para antologias, mas é saboroso. Há uma astúcia muito pertinaz e mineira. O poema é sonso, como deve ser. E como as louras são mais, se a gente deixar).

Mas eu falava de sotaque do interior. De um vestígio, porque acabei agregando um sotaque de Fortaleza, meio neutro como o do maioria dos amigos e conhecidos. É Carlos Heitor Cony, que se veio ao Nordeste não foram muitas vezes, quem dizia que o sotaque cearense culto é dos mais bonitos da língua. Mas no meu há quase imperceptíveis vestígios de sotaque interiorano, e que um homem esperto preza.

No caso, certa tendência para limar o “d” no final dos gerúndios. Digo “anuncian'o” por “anunciando”, na melhor trilha interiorana que vai bater em Camocim. E acho legal que seja assim. Que, quando muito, o “d” surja lá ao fundo, quase imperceptível. Apenas insinuado. Pressentido. Rajada de ventoinha.

Como descer uma ladeira em Tiradentes, à toda, carregando a amiga no tuntum. Ou o desembarque na Normandia de nossas vicissitudes por aqueles tempos. Lembra? Tudo eram heroísmos. Conquistas. Principalmente nós e a vida adiante. E haja matar d's em gerúndios. (Ainda hoje gosto de pensar que um de meus ancestrais era um renomado ladrão de cavalos que agia na fronteira norte entre o Piauí e o Ceará. Talvez isso explique um tanto o excesso de zelo e honestidade das últimas quatro gerações - as que eu conheço a história. Mas também uma perfeita incapacidade para a imaginação e a fantasia. Algo que acabou nos perseguin'o na hora do bote final, quanto a levar a sério isto de escrever).

Ou então, como aparece na seguinte frase:
-Não esqueça do poema na página 112 - ele disse acenan'o. E repetiu, enquanto ela tomava o táxi sob a chuva fina.

(Aliás, este relato cheio de chaves? Para ser lido ouvindo o Largo do Concerto em Fá Menor BWV 1056 de J. S. Bach - se, no entanto, você já assistiu Hannah e Suas Irmãs [Hannah and Her Sisters], deve figurar do que se trata along the way.)

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