sábado, 14 de fevereiro de 2009

Parataxe é mais que plano-sequência


Murillo, c. 1670




Treze “e's” reforçam agilidade e diligência em Rebeca

Nesta passagem do Gênesis [24, 16b-20], dá-se o instante em que o servo de Abraão acha a mulher que saíra na incumbência de escolher. Ou seja, a esposa para Isaac, filho de Seu Senhor, que deveria ser escolhida na terra de Naor. Ele roga ao Senhor que aquela que descer à fonte com seu cântaro e se predispuser a lhe dar de beber seja a escolhida. E logo a seguir vem Rebecca, prima de Isaac, a quem, após o servo achar “mui formosa à vista”, lhe dá de beber e à sua cáfila:
e desceu à fonte, e encheu o seu cântaro e subiu. Então o servo correu-lhe ao encontro, e disse: Peço-te, deixa-me beber um pouco de água do teu cântaro. E ela disse: Bebe, meu senhor. E apressou-se e abaixou o seu cântaro sobre a sua mão e deu-lhe de beber. E, acabando ela de lhe dar de beber, disse: tirarei também água para os teus camelos, até que acabem de beber. E apressou-se, e despejou o seu cântaro no bebedouro, e correu outra vez ao poço para tirar água, e tirou para todos os seus camelos.
O princípio da Parataxe é mais efetivo que o do plano sequência no cinema. Lima explicativos sintáticos (ou seja, planos de transição). Os e's tem a função de expressar a prontidão incansável da faina de Rebeca. Afinal, apenas um camelo bebe a bagatela de 25 galões de água. E estamos diante de dez camelos. Quantas mulheres de classe-média no Brasil já fizeram um serviço braçal equivalente: dar de beber a dez camelos? E, entenda-se, Rebeca, aqui, não é classe-média, é praticamente uma princesa. É a filha de um patriarca que irá casar-se com o filho de um outro patriarca e dar nascimento ao povo eleito. Não menos. E o que dizer dessa linguagem bastante concisa – inclusive psicologicamente – tal como nos aponta Auerbach em sua clássica análise sobre a evolução da representação realista no Ocidente [Mimesis]?


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