domingo, 1 de julho de 2012

Com os bofes no boteco



Mark my words, when a society has to resort to the lavatory for its humour, the writing is on the wall. 
[Alan Bennett]

-Bateu, cara, tenho certeza. Na cabeça do zagueiro antes de entrar.
-Foi direto, macho. Onde já se viu. Cegou? 
000
No intervalo, ninguém dá nada pelos melhores momentos. E o time segue penso para a esquerda.
Mais ou menos como reclinam na direção da mais bela, e lhe entregam as palmas das mãos. Quem achou que havia mais que um brilho no olho? Mas ainda faz cedo. E é de noite que o bicho pega. E o brilho do olho dela prega no olho do gato. Segura o facho. E o farol de milha dos quereres relanceia sobre duna. 
Não há lua.
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Enquanto fala de outras coisas, sorri. Lê contratos nas palmas das mãos. Leques escancarados por dois lados de mesa. Palmos e palmas. Linhas de vida. Pulsos tatuados. Anel menos falso, lá. Falanges. Cerco. Desvenda até entrelinhas. Confere ressalvas. Revisa alíquotas. E deplora fitinhas do Bonfim. 
Às vezes, enquanto retoca o batom, sublinha algumas cláusulas. E repassa as grifes. Se as há. Mas sábado e mesa não vão dos melhores nesse quesito. 
O áudio da transmissão, mais baixo no intervalo, funde-se agora com o paredão do carro cuspindo forrós ambiente. E mesmo a falar alto há uma clareza ineludível na voz dela - como se sussurrasse assoletrado ao ouvido. A voz, feita a compleição que a emite: espécie de engenho ovíparo, que choca os ovos da atração. E guina-se para sedução com tal naturalidade como a maioria dos répteis botam ovos. Haveria algo de verdadeiramente obsceno ali, haveria?
Sorriem de volta, perfeitamente basbaques. Estufando o peito, contraem bíceps. Soltam usuais gabolices em hálitos de chope, alho, uísque. Daquele tipo que se solta em intervalos de jogos realmente importantes. Além do jogo, falam de carros, receitas, smartphones, rugby, forró, aplicativos e dos viados. E depois de carros de novo. E de novo de futebol - Séries B e C. E de novo dos viados.
Fazem caras fatais e batem as pontas dos muitos cigarros na mesa. Depois acendem. Imitam viados. E se chamam de bicha entre si, com direito a gritinhos, trejeitos e fotos. Depois deslizam os óculos escuros para a testa. E coçam a barba mal feita. E recompõem a voz com um cenho franzido. Um pouco compungidos.
Pode-se ler na testa: os projetos incluem ser dirigente de clube. Depois, vereador. Que é quando se tem mais chance de chegar, quando não se vem de uma família que já chegou. E pensar que a vida da vida gira em torno desse chegar lá. E desse jeito. Como Tétis em torno de Saturno. Algo tem de girar em torno de algo. O alfa e o ômega. Mas agora a questão hormonal deslimita-se das carreiras, do uísque: ah, mulher.
Tudo ou nada. Vão nessa fase. Que o comutador não esqueça. 
-Esse mundo está perdido - diz a garota sentada perto da janela, na mesa do lado. Também isso é o que se espera de uma garota sem sal sentada na mesa do lado, perto da janela, quando abre a matraca. Nada de novo. Não que seja feia. É só insossa. No insosso, a previsibilidade conta em gotas diluviais.
Ela? Desliza ágil com qualquer palavra. Não carece de crase para preposicionar artigos. Sorri. Às vezes fica séria. Quase sempre quando menos se espera. Irresistível nas duas condições. A tarde gira em torno dela.
Agora, se há um parágrafo obscuro, dúbio; pede licença. E já segue no rumo do toalete, deslizando os dedos no visor do iPhone. Um polígrafo em tempos de inocentes tuitagens e fotos com amostras de lanche. 
Os olhos deles balançam juntamente. Como se houvesse amortecedores nas curvas. E as outras, arre, armam muxoxos meio involuntários. Bocas enchem. Mas só há uma para os naipes de tanto desejo. Pedaços seriam arrancados se na ponta do olhar houvesse dentes. Mas ela, seu iPhone logram chegar intactos ao lavabo.
Do outro lado, o consultor jurídico - que recebe parte dos honorários daquela forma inequívoca, em doces prestações – analisa me-ti-cu-lo-sa-men-te onde há melhor liquidez, herança, seguro, debêntures entre os bíceps do boteco:
-Ai, ai – geme, geme ela, a erguer a tampa do sanitário - o mais fofinho não tem onde cair morto. É sempre assim.
E, vivo, o líquido cai no líquido:

-Dá-me paciência, Senhor.

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